sexta-feira, 1 de novembro de 2013

“Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento.”

Por: Francisco Roberto Caporal

O título acima é de autoria do meu conterrâneo Érico Veríssimo e serve bem para ilustrar o que temos observado em nossas sociedades quando tratamos da questão ambiental. Pelo menos desde o início dos anos 70, estão bastante claras as evidências dos sérios danos ambientais resultantes do desenvolvimentismo construído a partir de estratégias de crescimento econômico ilimitado e em sociedades de alto consumo e desperdício. As inúmeras conferências que ocorreram desde Estocolmo-72, não serviram para nada. O que vimos é que foram gastos muita tinta e muito papel para teorizar sobre boas intenções. A conferência Rio 92, apesar da Agenda 21 (quem se lembra?) foi, talvez, a melhor demonstração da inconsistência da tecnocracia quando se trata do enfrentamento dos problemas ambientais. 

A Agenda 21 Brasileira está na página do Ministério do Meio Ambiente, mas os Ministérios não a tomam como referência para suas políticas. O balanço da problemática socioambiental tem mostrado que os impactos diretos e as externalidades geradas pelo modelo de crescimento e consumo estão absolutamente sem controle, apesar dos acordos e outros protocolos firmados entre países ao longo de mais de quatro décadas de estudos e negociações. O fracasso da conferência de Copenhague e a inconsistência da Rio+20 foram apenas demonstração da ingovernabilidade e da ineficácia da estratégia montada pela tecnocracia estatal e pelas instituições de Bretton Woods que as patrocinam (ONU, FAO, PNUMA, Banco Mundial, etc.). 

A conclusão que se pode chegar é que se não houver ampla participação da sociedade organizada e ambientalmente consciente na direção das ações para preservar o planeta, nada vai mudar.  Tudo o que se construiu até hoje, no marco dos enfoques ecotecnocráticos, apenas tem servido para mostrar a falta de seriedade dos discursos institucionais sobre desenvolvimento sustentável. O que se observa, sim, é que apesar dos belos discursos de iminentes autoridades sobre a necessidade de retomarmos uma trajetória de proteção ambiental, de preservação dos recursos naturais, com redução dos impactos causados pelas atividades econômicas, o que encontramos na vida real são políticas de estímulo ao consumo, políticas que patrocinam a continuidade dos mesmos processos econômicos que são responsáveis pelos impactos socioambientais. 

Por sorte, ainda há os que tentam construir “moinhos de vento” diante da inexorável evidência do imperativo socioambiental de nossa época. Estimulados por uma crescente consciência da responsabilidade ambiental, para esses, está evidente que o compromisso com a sustentabilidade, neste planeta de recursos finitos (alguns quase esgotados), só tem sentido se nascer de uma forte solidariedade intra e intergeneracional. Sustentabilidade ambiental, antes de nada, é a busca da preservação de recursos naturais, escassos e limitados, para que nossos filhos e netos possam dispor da base de recursos da qual necessitarão para que possam vir a ter uma vida digna e com qualidade. 

O que anima é que no Brasil são milhares as experiências urbanas e rurais que vêm demonstrando que outro caminho de desenvolvimento é possível. Na nossa área de trabalho, a Agroecologia como uma nova ciência para um futuro sustentável, tem dado sustentação teórica, técnica e metodológica para uma multiplicidade de iniciativas de produção agropecuária de base ecológica, que preservam o meio ambiente e ao mesmo tempo oferecem alimentos sadios para a população. Isso demonstra que é possível uma agricultura diferente daquela imposta pela Revolução Verde, pelas grandes monoculturas e pela atual ditadura dos transgênicos e das transnacionais. Os tempos de mudança já começaram e precisamos estimular estratégias ambientalmente mais sustentáveis para evitar que a caminhada da nossa civilização continue em direção ao abismo. 

(Artigo escrito em 31-01-2010-revisado)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Breve abordagem sobre sustentabilidade

Na página de Opinião do nosso Blog, na semana que passou, escrevemos um breve texto sob o título “Adeus ao Desenvolvimento Sustentável”, cujo conteúdo suscitou bastante interesse. Por esta razão, esta semana não vamos escrever nada novo, mas divulgar um texto que escrevemos há 14 anos. O texto abaixo, de outubro de 1999 (que há época foi utilizado como documento de subsídio para o debate interno sobre adoção da Agroecologia como ciência para a orientação das ações extensionistas, que vinha sendo realizado na EMATER do Rio Grande do Sul), já destacava a insustentabilidade do discursos do desenvolvimento sustentável ecotecnocrático. Passaram-se 14 anos... e daí? Cadê a prometida sustentabilidade, que não sai dos discursos? Hoje, 17-10-2013, quando escutamos os discursos de lançamento do Plano Nacional de Agroecologia (PLANAPO), tanto do governo como de representantes da sociedade civil, foi possível observar, outra vez, o quão vazios de conteúdo estão estes discursos. Por um lado, se evidencia a cooptação que desde o primeiro governo Lula imobiliza a chamada sociedade civil organizada do campo e as suas entidades de assessoria, já que elas cada vez dependem mais do dinheiro do governo federal para poderem sobreviver. Por outro lado, as emoções evidenciadas no Ato Oficial, com o lançamento de um “Planinho”, que não ataca nada da insustentabilidade da maior parte da agricultura nacional, é a expressão de que seguimos nos auto-iludindo com as vazias promessas dos sucessivos governos quanto à sustentabilidade ambiental. Mas, trataremos exclusivamente sobre o PLANAPO em um próximo artigo.

BREVE ABORDAGEM SOBRE SUSTENTABILIDADE

Francisco Roberto Caporal¹

Quando tratarmos sobre o tema da sustentabilidade, é necessário que, como primeira e mais ampla visão, procuremos entender que o Planeta em que vivemos é um sistema fechado do ponto de vista dos recursos naturais, assim como é um sistema fechado do ponto de vista das externalidades que resultam dos processos produtivos. – sejam eles agrícolas ou industriais.

Portanto, devemos estar atentos para o fato de que o sucesso de ações locais não nos exime de um permanente esforço no sentido de analisar o desenvolvimento do ponto de vista global-planetário.
Observe-se, por exemplo, que existem sérias contradições de natureza conceitual e estrutural entre a noção ecotecnocrática de desenvolvimento sustentável e as políticas impostas pelas mesmas instituições que as sustentam (BM, FMI, OMC). Neste sentido vale notar as imposições de ajustes macroeconômicos e os acordos de comércio internacional (em bases desiguais) que, juntamente como a exigência de pagamento das dívidas externas, obrigam os países empobrecidos a adotar medidas e políticas que resultam em maiores impactos ao meio ambiente.

Igualmente, a disparidade nas políticas agrícolas entre os países do Norte e os do Terceiro Mundo, representada claramente pelos elevados subsídios que oferecem aqueles países a seus agricultores, nada tem a ver com a ausência de subsídios entre nós ou com os preços, cada vez mais baixos, dos produtos que exportamos. Mesmo assim, a tônica dos discursos continua sendo a exigência de “competitividade” imposta aos países do Sul e seus agricultores. Estas políticas, em ambos os lados estimulam a continuidade de estilos de produção de alimentos e de matérias primas produzidos em condições de elevado impacto ambiental. E estes são só pequenos exemplos do que podem ser as contradições do discurso liberal do desenvolvimento sustentável.

Para resolver a equação crescimento x meio ambiente, os adeptos desta corrente liberal propugnam pela idéia absurda – economicista – dos chamados trade-offs – substituições. Assim, estabelecem, desde a perspectiva da economia neoclássica, uma racional, ainda que ambientalmente inútil, noção de 4 tipos de capital intercambiável = a) capital natural (estoque de ativos ambientais); b) capital humano (as pessoas com suas capacidades, educação permanente, sua cultura e suas instituições); c) capital social (formado basicamente pelas aplicações em saúde, educação, conhecimento, nutrição, etc...) e, d) capital gerado pelo homem (infraestruturas que entram como resultados positivos nas contas, etc...).

Segundo este pensamento liberal (no qual se incluem economistas do Banco Mundial), o que importa – com respeito às gerações futuras – é que tenhamos a capacidade de manter igual o somatório destes quatro tipos de capital. Para isso, necessitamos saber manejar diferentes combinações e formas de substituição e complementariedade entre eles, de modo que a redução de um possa ser compensada pelo crescimento de outro tipo de capital.

Esta lógica, absurda, ainda quando se refere às necessidade de conhecermos os níveis críticos de cada capital mencionado, se esquece que aquilo que consideram como estoque de capital natural é muitas vezes irreprodutível, não renovável e que, portanto, usado uma vez não estará disponível para ser usado por uma segunda vez, tendendo pois, à completa exaustão. Daí porque esta corrente se aferra na idéia de que a ciência e a tecnologia continuarão, indefinidamente, criando condições para a substituição do que chamam “capital natural”.

Seguindo nesta mesma linha de raciocínio, e ainda nos marcos da Economia Neoclássica, a Economia do Meio Ambiente ou Economia Ambiental, tratam de tentar resolver seus problemas teóricos, adotando a mesma lógica dos preços e das mercadorias, que fazem parte do corpo central do pensamento destas correntes.

Os “bens da natureza” passam a ser “transformados” em mercadorias e, como tal, sujeitas ao estabelecimento de “preços” para a representação do seu valor. Absurdamente, passam a ser estimulados os chamados “direitos de poluir” (incluindo bônus com limites), ou a idéia da “disposição a pagar” que, de uma forma tão hipotética quanto irreal, tenta estabelecer preços que as gerações futuras estariam dispostas a pagar para desfrutar de recursos naturais hoje disponíveis e que seriam preservados para elas.

Com esta breve incursão no campo tão complexo da economia, pretendemos tão somente tentar demonstrar que o discurso ecotecnocrático do desenvolvimento sustentável, ao continuar centrado na necessidade de crescimento econômico ilimitado, acaba entrando em contradições indissolúveis que só servem para demonstrar as incoerências do discurso ambientalista amparado pelas organizações internacionais e pelos governos liberais.

Por isso, ao pensarmos no estabelecimento de premissas sobre as quais assentar a busca da sustentabilidade, iniciamos por negar-nos a aderir às correntes liberais do desenvolvimento sustentável e buscar as bases mais sólidas dadas pelas correntes culturistas e ecossocialistas da sustentabilidade, caminhando na perspectiva daquelas correntes que podem ser identificadas com os nomes de ecossocial ou agroecológico.

Um primeiro elemento que precisamos, então, considerar é um novo enfoque da economia, retomando a sua concepção original: OIKONOMIA – de administração dos recursos, o que ao lado da ecologia (estudo do ambiente) nos permite uma concepção mais holística e sistêmica da relação entre os homens e destes com o meio ambiente. Daí porque a Economia Ecológica e a Ecologia Política parecem ser ferramentas mais adequadas que aquelas que estão sendo impostas desde a perspectiva liberal.

Assim, retomando o rumo desta discussão, pensamos que a perspectiva apontada pela Agroecologia é, sem dúvidas, uma alternativa mais adequada, e nos sugere ferramentas mais úteis, para a construção do desenvolvimento rural mais sustentável.

Em primeiro lugar, uma proposta de desenvolvimento rural mais sustentável precisa, necessariamente, romper com as imposições econômicas, sociais, culturais, políticas e ideológicas do desenvolvimento convencional e do enfoque ecotecnocrático da sustentabilidade. Isto implica a necessidade de repensar as noções de modernização e progresso criadas e difundidas a partir de interesses econômicos e identidades sócioculturais alheias à nossa realidade.

Neste sentido, é importante darmos um passo inicial reconhecendo que, ao invés de buscarmos a homogeneização pretendida pelas estratégias convencionais, devemos potencializar os elementos de resistência, de articulação, de ação coletiva e de potencialização de conhecimentos existentes nas comunidades locais.

Como lembra Eduardo Sevilla Guzmán, o desenvolvimento rural orientado pelos princípios da Agroecologia “se baseia no descobrimento, sistematização, análise e potencialização dos elementos de resistência locais ao processo de modernização, para, através deles, desenhar, de forma participativa, esquemas de desenvolvimento definidos desde a própria identidade local, do etnoecossistema concreto em que nos encontramos”.

Portanto, estamos falando de desenvolvimento local ou desenvolvimento endógeno (ainda que não autárquico) e, nesta perspectiva, cabe destacar a necessidade de ajudar a reconstruir o poder das comunidades, fortalecendo todas as formas possíveis de ação social coletiva, pois estas possuem, em si mesmas, “um potencial endógeno transformador”.

Para isto, o enfoque difusionista deverá dar lugar a um enfoque construtivista, no qual a agricultura seja entendida como uma construção social e não, simplesmente, como a aplicação de algumas tecnologias.

Não queremos afirmar que já não têm valor os resultados da pesquisa e os avanços da ciência. Ao contrário, acreditamos que o desenvolvimento rural mais sustentável deverá adotar como ferramenta estilos de agricultura participativa, localmente adaptada e culturalmente aceitável, que desenvolvam tecnologias agrícolas apropriadas lançando mão dos avanços tecnológicos oferecidos pela pesquisa convencional, subordinando-os aos reais interesses e condições de apropriação por parte da comunidade local, de modo que a tecnologia não se constitua em elemento de alienação e dominação.

Trata-se, pois, da geração e desenvolvimento de modelos agrícolas/agrários alternativos, de base ecológica, centrados no conhecimento local, adaptados sócioculturalmente, condizentes com a evolução histórica das comunidades e seus agroecossistemas.

Pelo que vimos acima, ao contrário do falso discurso ecotecnocrático da sustentabilidade, as correntes que se aderem às perspectivas da Agroecologia – como campo de estudos, análises e desenho de agroecossistemas mais sustentáveis – entendem a idéia da sustentabilidade como um conceito relativo, ou como nos ensina Stephen Gliessman, como uma busca permanente no sentido do estabelecimento de contextos gerados pela articulação de um conjunto de elementos que permitem a durabilidade no tempo dos mecanismos de reprodução social e ecológicos de um etnoagroecossistema.

Trazendo isto para o campo prático do desenvolvimento rural e da agricultura mais sustentável, devemos entender que o endógeno ou local, não significa nada de estático ou imutável, senão que está em permanente processo de experimentação e aprendizagem – que digere o que vem desde fora – e incorpora nos seus estilos de manejo dos recursos naturais e formas de fazer agricultura, os elementos cuja assimilação não resulte em agressão à sua “lógica etnoecológica de funcionamento” ou, como destaca Sevilla Guzmán, quando o externo, o que vem de fora, possa ser adaptado a esta lógica e possa ser incorporado ao endógeno sem romper com sua identidade local ou agredir sua qualidade de vida.

Por fim, podemos dizer que, se buscamos mais sustentabilidade em nossos processos sociais e produtivos, precisamos estabelecer um novo padrão agrícola que seja respeitoso frente à identidade local, sem impactar negativamente os agroecossistemas além de sua capacidade de regeneração (de resiliência). Ademais, é fundamental que o enfoque tecnológico a ser adotado tenha em conta a necessidade de reciclar os dejetos e todos os lixos resultantes do processo produtivo; deve preservar e incrementar a biodiversidade, assim como deve buscar uma rápida substituição de insumos não renováveis, visando, entre outras coisas, a maximização dos resultados em relação ao uso de matéria e energia.

Este novo padrão, para que possa ter sucesso, deve basear-se em alternativas que sejam social e culturalmente aceitáveis em cada zona, além de assegurar, pelo menos, um mínimo de ingresso econômico/financeiro necessário para a reprodução das unidades familiares.

Para que se possa fortalecer este processo de transição a estilos de agricultura mais sustentáveis, será necessário um grande esforço na pesquisa e conservação de recursos genéticos, identificação e estudo dos diferentes agroecossistemas com o objetivo de entender-se de forma mais clara os condicionantes culturais e ambientais que limitam as possibilidades de respostas em cada agroecossistema.

Como conclusão: 

Depois das décadas de desenvolvimento convencional e modernização, ninguém mais se atreve a falar de desenvolvimento sem tratar de adjetivá-lo com a palavra sustentável. Não obstante, pelo menos desde 1972 fala-se em desenvolvimento sustentável, sem que tenha havido, de fato, qualquer mudança substantiva nos modos de produção agrícola e industrial, a não ser para piorar as condições ambientais.

Em função disso, surgiram centenas de conceitos de desenvolvimento sustentável, sem que se tenha alcançado unanimidade em torno de um único deles que possa dar conta do que se pensa e de como seria o caminho para sua operacionalização. Por isso, ao invés de continuarmos tentando construir mais um conceito que sirva para o esforço que está sendo levado a cabo pela EMATER/RS, preferimos tratar a questão enfatizando, por um lado, a necessidade de estarmos sempre em alerta para as dimensões econômica, social, ambiental, cultural, política e ética da sustentabilidade, que devem orientar nossa ação. Por outro lado, lançamos mão da Agroecologia como orientação teórica para esta ação, adotando seus princípios e pautando o trabalho da extensão como uma busca permanente para o estabelecimento de contextos adequados para a sustentabilidade (conforme nos ensina Gliessman).


¹O autor é Engenheiro Agrônomo, Extensionista Rural da EMATER/RS, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/UFSM e Doutor em Agronomia pelo Instituto de Sociología y Estudios Campesinos da Universidad de Córdoba-Espanha. Paper elaborado em outubro de 1999.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Adeus ao desenvolvimento sustentável

Por: Francisco Roberto Caporal

Temos insistido com nossos alunos que desenvolvimento ambientalmente sustentável não existe, é uma ficção inventada por tecnocratas. Tanto desenvolvimento como sustentabilidade são coisas relativas, não estáticas. Não são absolutas. Quando eu falo de sustentável, estou tomando como referência algo que não é sustentável. Quando eu evoco a palavra desenvolvimento tomo como referência o subdesenvolvimento. Assim, quando o presidente Truman usou pela primeira vez a palavra subdesenvolvidos (se referindo a nós, povos do Sul) ele tomava como referência o seu país como um exemplo de desenvolvimento.

Muito menos podemos ter como referência o Desenvolvimento Sustentável das organizações internacionais, da ONU, do Banco Mundial etc, que insistem em focar suas estratégias no contínuo crescimento econômico, como a condição indispensável para resolver os problemas socioambientais. Assim, se é certo que o crescimento econômico é necessário em certas sociedades, também é certo de que não é em todas. Ademais, como conceito, o DS foi esvaziado, primeiro por ter sido abandonada a ênfase original para a solução das desigualdades sociais, chegando à Rio+20 com uma noção absolutamente mercantil. Lançou-se a noção de “economia verde”, como se fosse possível um capitalismo verde comandado pelo mercado.

Como lembram alguns “objetores do crescimento”, “a tese do crescimento verde é uma falácia... pois não existe uma combinação que permita aumentar a quantidade de produção (o PIB) melhorando a qualidade ambiental, de modo a fazê-la compatível com os equilíbrios naturais.” É nesta perspectiva que aparece a famosa citação, atribuída a Boulding, que diz que “Quem acredita que um crescimento exponencial pode continuar indefinidamente em um mundo finito, ou é louco ou é economista.”

Sobre isso, já havia alertado Georgescu-Roegen em sua famosa obra A lei da entropia e o processo econômico. Para esse autor, “não pode haver dúvida alguma... de que todo o uso de recursos naturais para satisfazer necessidades não vitais leva consigo uma menor quantidade de vida no futuro.” E vai além: “desde o ponto de vista puramente material o processo econômico não faz mais do que transformar baixa entropia em lixo.” Ou, como ele explica, quanto maiores e mais potentes forem os automóveis, maior e mais contaminante será o lixo produzido. Na mesma linha, eu seu livro Prosperidade sem crescimento, Tim Jackson afirma que “as suposições simplistas de que a propensão à eficiência do capitalismo nos permitirá estabilizar o clima ou proteger-nos frente à escassez de recursos não são mais que meras ilusões. Os que promovem a desvinculação como via de escape do dilema do crescimento deveriam observar com mais cuidado as evidências históricas e a aritmética básica do crescimento.”

Ademais, o uso oportunista da noção de desenvolvimento sustentável aparece nas falaciosas propagandas das indústrias de agrotóxicos, assim como no marketing de grandes empresas como a Petrobrás ou a Vale do Rio Doce, quando elas anunciam que suas atividades de extração de petróleo e minério são sustentáveis. Nesta esteira de inconsistências do desenvolvimento sustentável ecotecnocrático, não tardariam a aparecer estratégias de novos negócios tais como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a Aplicação Conjunta (países do leste europeu) e o Comércio de emissões de gases de efeito estufa. Como lembra Daniel Tanuro, no livro O impossível capitalismo verde, estas trampasforam úteis para os contaminadores”, pois ao contrario do que se proclama elas não servem para atender os objetivos propostos, mas sim para driblá-los “e transformá-los em fontes de lucro.” De sua análise sobre o funcionamento destes mecanismos, Tanuro conclui que “o mercado de carbono representa, assim, diga-se de passagem, um novo mercado especulativo gerador de bolhas financeiras.”

Diante de tudo isso, os especialistas não cansam de alertar que a problemática socioambiental só piorou desde a Conferência sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972. É o nosso caso, no Brasil. De lá para cá, perdemos partes importantes de nossos biomas, acelerando a destruição da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica e até do frágil Pampa, onde os campos estão dando lugar a imensos monocultivos de eucaliptos. Enquanto isso, o famoso tripé das dimensões da sustentabilidade, muito presente nos discursos (dimensão econômica, dimensão ecológica e dimensão social), tem servido apenas para que os ecotecnocratas mantenham-se em seus postos de trabalho e continuem elaborando papers sobre sustentabilidade e escrevendo seus projetos mirabolantes de desenvolvimento sustentável, sem nenhuma eficácia na vida real das pessoas da cidade ou do campo.

Dentro deste quadro de agravamento da crise civilizatória em que estamos imersos, nossa agricultura, em que pese a sua fama, é o setor que mais emite gases de efeito estufa no Brasil. Para “enfrentar o problema” a principal política do governo é oferecer financiamento para que os agricultores apliquem a ABC – Agricultura de Baixo Carbono, que segundo especialistas, sua implementação tem sido um fracasso, dada a baixa adesão dos agricultores. Mesmo que fosse aplicada, trata-se de uma tentativa de mudar para não mudar nada, pois o modelo da ABC é apenas um paliativo ou, como alguns ecotecnocratas chamam, uma medida de mitigação (palavra bonita, da moda, mas que não aumenta a resiliência dos sistemas agropecuários baseados nos monocultivos, na química e na hipermecanização).

A ideia de uma ampla transição agroecológica sequer passa pela cabeça da tecnocracia nacional. É algo impensável. Ainda que já faça parte, tímida, das agendas da ONU, da FAO, da UNCTAD (como está em artigo anterior), do IAASTD (Avaliação Internacional sobre Ciência Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento), de 2008.
Aliás, é bom que se diga que a FAO, em 2007 e a UNCTAD, em 2010, já haviam recomendado a substituição da agricultura convencional agroquímica por agriculturas ecológicas. Entretanto, estas instituições não fizeram nada para dar consequência a suas recomendações. Pelo contrário, a FAO, por ocasião da Rio+20, divulgou um documento sobre “agricultura verde”, semelhante ao que já havia sugerido em 1994 – a velha noção de “intensificação verde”. Essas entidades dão voltas, mas não enfrentam o problema pela raiz.

Por outro lado, em um Informe de 2010, Oliver de Shutter, Relator Especial sobre Direito à Alimentação, da ONU, afirmava que a segurança alimentar só se alcançará com uma agricultura de base ecológica, sugerindo a necessidade de uma mudança de paradigma, reforçando a Agroecologia como um caminho inexorável.

O problema é que o desenvolvimento sustentável ecotecnocrático ficou tão forte nos discursos, que deixa uma miragem de que estamos caminhando para a solução dos problemas ambientais, da fome, da miséria, da ampla destruição da biodiversidade. Na mesma medida, os gerenciadores do DS fogem de questões básicas como, a distribuição da riqueza, da terra e a equidade de acesso aos recursos dos territórios ou mesmo aos alimentos.

Talvez esteja na hora de matar o desenvolvimento sustentável e, quem sabe, colocar ênfase no ecodesenvolvimento de Maurice Strong e Ignacy Sachs. Pelo menos, nas noções básicas de ecodesenvolvimento vamos encontrar algumas qualidades e valores que começariam a mudar o quadro atual, como por exemplo: a) um claro compromisso com as gerações futuras, estabelecendo-se uma solidariedade diacrônica sem deixar de fortalecer laços de solidariedade entre as gerações atuais; b) a necessidade de respeito às diferenças culturais, étnicas, sociais, de gênero; c) a adequação da agricultura às condições dos ecossistemas ou agroecossistemas; d) uma menor “adoração” pela tecnologia, sugerindo um pluralismo metodológico e tecnológico, o que inclui o saber dos camponeses; e) dar prioridade para a diversidade, ao contrario da “monocultura da mente” que domina o modelo atual e que se reproduz no modelo convencional da revolução verde; f) respeitar a especificidade de cada bioma; g) estimular o desenvolvimento endógeno, com suas capacidades humanas e potenciais ecossistêmicos; h) apostar nas atividades de pequeno porte, por serem mais amigáveis com respeito ao meio ambiente; i) uma menor idolatria ao crescimento infinito, etc.

Essas proposições se aproximam muito das bases epistemológicas da Agroecologia e contribuiriam bastante para reparar o curso alterado da coevolução homem-natureza, como recomenda Eduardo Sevilla Guzmán.

Certamente que apenas isso não basta. É preciso adotar outras medidas necessárias para a construção de uma sociedade mais sustentável, entre as quais aquelas sugeridas pelos “teóricos” do Decrescimento, o que será objeto de nosso próximo artigo de opinião. Até lá, o que parece certo é que devemos abandonar o conceito de desenvolvimento sustentável ecotecnocrático, pois ele gera uma miragem que nos engana a todos.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

UNCTAD recomenda o fim da agricultura industrial

Por: Francisco Roberto Caporal

O Relatório de 2013 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Meio Ambiente (UNCTAD), divulgado dia 18 de setembro, recomenda aos países ricos e pobres que tratem de fazer mudanças profundas em sua agricultura, saindo dos sistemas de monocultivos para sistemas diversificados de produção. Recomenda, ainda, que se reduza o uso de fertilizantes e outros insumos. Sugere que seja dado mais apoio aos pequenos agricultores e que se atente para articular a produção e o consumo local de alimentos. E, afirma que o atual modelo agrícola hegemônico é insustentável.

Sob o título, Acordar antes que seja demasiado tarde: tornar a agricultura verdadeiramente sustentável agora para a segurança alimentar em um clima cambiante, o documento coloca a necessidade de mudanças profundas na agricultura, antes que as mudanças climáticas em curso comecem a trazer mais prejuízos.


Mais de 60 especialistas contribuíram para a elaboração do documento de 321 páginas e dezenas de artigos, no qual se adverte que o mundo precisa mudar o paradigma que orienta a forma de fazer agricultura, rompendo com o ideário da Revolução Verde e indo em direção a agriculturas ecológicas. Para os especialistas, as mudanças necessárias vão além de simplesmente fazer ajustes ao modelo de agricultura industrial de monocultivo, altamente dependente de insumos externos. É necessária uma compreensão holística, que vai desde antes da produção até o comercio, pois só assim será possível atacar o que o documento chama de “uma crise coletiva”, que se expressa pelos índices “constantes de pobreza”, pela “fome persistente”, pelo “crescimento das populações” e pelo aumento dos danos ambientais.

Neste sentido, entre as recomendações, se adverte para a necessidade de mudar os métodos convencionais de fazer agricultura, adotando uma visão sistêmica e métodos agroecológicos. Diminuir a distância entre produção e consumo, para reduzir o uso de matéria e energia, além do desperdício de alimentos que ocorre neste processo.

Segundo o documento, mais de um bilhão de pessoas passam fome e outros um bilhão estão subnutridos, ainda que a produção mundial atual seja suficiente para alimentar 12 a 14 bilhões, quer dizer, quase o dobro da população do planeta. Ao mesmo tempo, cerca de 40% das terras agrícolas estão sendo usadas para produzir matéria prima para ração animal.

A entidade da ONU adverte também que está em “gestação” uma nova crise, alimentada por vários elementos: o aumento constante dos preços dos alimentos, que em 2013 chegou a mais 80% em relação ao período 2003-2008. O crescente uso de fertilizantes químicos, que se multiplicou por 8 em 40 anos, enquanto a produção apenas duplicou. A redução nas taxas de crescimento da produtividade. Os “danos ambientais imparáveis”, com sérios impactos sobre o solo e a água, além da perda de biodiversidade. O fato de a agricultura ser o setor responsável pela maior emissão de gases de efeito estufa nos países do Sul global. (é o caso do Brasil). Por fim, alertam para o crescente compra de terras por estrangeiros, nos países do Sul.

Ainda, segundo o documento, o modelo hegemônico de produção de monocultivos e os métodos da agricultura industrial não estão conseguindo produzir os alimentos necessários a preços acessíveis e os danos ambientais deste modelo, além de crescerem permanentemente, são insustentáveis. Este modelo, afirmam, tem se especializado na produção para a exportação de produtos mais lucrativos, o que tem levado a cada vez maior escala de menores variedades de cultivos.

Para aqueles que militam no campo da Agroecologia, nada disso é novidade. A única novidade é que a ONU começa a tomar consciência do quão danoso tem sido o modelo de agricultura industrial que ela mesma ajudou a que se tornasse hegemônico. Danoso para o meio ambiente, danoso para as sociedades e danoso para as economias. Agora falta ver quais medidas serão tomadas, pois não basta reescrever o que já vem sendo escrito em muitos lugares e há bastante tempo, sem uma reação objetiva dos organismos internacionais e dos governos nacionais, transformando este ACORDAR, em políticas concretas de apoio à transição agroecológica.

Recife, 24 de setembro de 2013.


Para baixar o livro, clique AQUI.
Para baixar a nota, clique AQUI.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Mais venenos em nossa mesa


Por: Francisco Roberto Caporal

Ao lançarmos nosso Blog, o fazemos com mais uma péssima notícia: em 2012 superamos, outra vez, nosso próprio recorde em termos de uso de agrotóxicos. Em volume de produto comercial, foram negociadas 823.226 toneladas de veneno, o que representa 12,7% a mais do que em 2011. Em valor, se está falando da soma de US$ 9,71 bilhões. Em 2011, o valor havia sido de US$ 8,5 bilhões. Em 2012, a soja continuou sendo a cultura campeã no uso de venenos, com 47% do total consumido. A cana-de-açúcar veio em segundo com 12,8%, na frente do milho e do algodão, com 9,4% e 9,3% respectivamente. Estas quatro culturas são responsáveis por 78% do total de veneno agrícola usado no Brasil. Observe-se que 70% dos princípios ativos são importados. 

Mas não vai parar por aí. Possivelmente, segundo as fontes consultadas, 2013 feche com novo recorde, já que só nos primeiro 5 meses do ano já houve um aumento no volume das vendas da ordem de 43% em relação ao mesmo período de ano anterior.

Enquanto isso, temos visto surgir fenômenos importantes, como a resistência de plantas a herbicidas (a EMBRAPA já registrou este fato, que também já foi apresentado por pesquisadores de vários países, inclusive em Estados Unidos e Argentina) ou mesmo o aparecimento de lagartas super-resistentes, como está sendo o caso da Helicoverpa armigera, que apareceu no final da safra de 2011 e tem sido responsável por enormes perdas econômicas e danos ambientais. Este inseto, segundo informações disponíveis no site do Ministério da Agricultura, tem atacado as culturas de soja, milho, algodão, milheto e até tomate. Há relatos, referentes à safra 2012-2013, de até 31 aplicações de veneno em lavouras atacadas pelo inseto ou de uma aplicação por semana, no caso do algodão, em lavouras com alta infestação. Ao lado desta lagarta, a crescente ocorrência da mosca branca e da ferrugem da soja, que têm sido combatidas de forma sistemática com elevadas quantidades de venenos, também contribui para o incremento do uso de agrotóxicos observado no país.

Estes processos são inerentes ao modelo de agricultura praticado de forma hegemônica. Como é por demais sabido, os monocultivos extensivos, como é o caso das culturas antes citadas, tendem a favorecer o aumento da presença de insetos e fungos, por exemplo. Ademais, como já explicou Francis Chaboussou, em sua Teoria da Trofobiose, as plantas se tornam mais vulneráveis ao ataque de fungos, ácaros, insetos, etc quando apresentarem, em seu sistema metabólico grande disponibilidade de aminoácidos livres e açúcares redutores, pois estes são os alimentos que procuram os insetos e fungos. Ora, o círculo vicioso de mais e mais veneno, que estamos observando nos monocultivos comerciais que mais consomem veneno, só pode levar ao aumento do uso, pois a cada aplicação se gera maior desequilíbrio biológico/ecológico e mais impacto no metabolismo das plantas, tornando-as mais vulneráveis e mais suscetíveis aos ataques que já vinham sofrendo. 

Há outras causas para uma planta apresentar alta disponibilidade de aminoácidos livres e açúcares redutores, e quase todas elas estão presentes nos extensos monocultivos, como o excesso de nitrogênio (cada vez mais usado na soja, em razão da diminuição das nodulações das bactérias Rhizobium que contribuem para a fixação de N, causadas, provavelmente, pelo uso de herbicidas), ou mesmo o estresse que sofrem as plantas por condições climáticas adversas, o que parece ser o caso em algumas regiões onde a Helicoverpa vem atacando.

Por outro lado, como já alertou Gliessman, os monocultivos são insustentáveis, por princípio, já que nesta forma de cultivo, são rompidas quase todas as relações ecológicas dentro do agroecossistema. Assim, nas lavouras citadas, ademais do desequilíbrio ecológico, a enorme carga de fertilizantes químicos e agrotóxicos faz com que se criem ambientes propícios para que insetos, fungos e outros patógenos tornem-se pragas. Quer dizer, o modelo em si é insustentável. Entretanto, nossas autoridades e um número expressivo de profissionais da área, continuam insistindo em manter a agricultura industrializada, ainda que isso represente cada vez mais custos ambientais, econômicos e, pior, para a saúde de toda a população.

Assim, não foi sem razão a carta enviada à Presidenta Dilma pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em julho deste ano, advertindo para os inúmeros problemas que vêm sendo evidenciados devido ao uso crescente de agrotóxicos e transgênicos no País. Segundo o documento, a taxa de crescimento no usos de venenos agrícolas foi de 7,5 Kg por hectare em 2005 para 15,8 Kg por hectare em 2010. A carta informa à Presidenta que, segundo o Banco do Brasil, na safra 2011-2012, 16,3% do volume de crédito de custeio foi destinado à compra de agrotóxicos (CONSEA, 2013). Quer dizer, o crédito oficial está ajudando a incrementar o uso de veneno.

Como não poderia deixar de ser, os recordes anuais de consumo de veneno, acabaram repercutindo sobre o ambiente e sobre a saúde humana, assim como na contaminação dos alimentos. A ANVISA (www.anvisa.gov.br) já havia informado que, segundo o programa PARA de 2010, 28% das amostras de alimentos analisadas apresentavam resíduos acima do limite permitido (Por ironia, nos informam que podemos comer um pouquinho de veneno por dia, segundo o que foi estabelecido pela indústria de venenos.) ou apresentavam quantidades insatisfatórias de resíduos. Da mesma forma, o número de casos de intoxicações agudas chegou a 9 mil, em 2011, sem falar dos milhares de casos não notificados (segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os números registrados deveriam ser multiplicados por 50, para haver uma aproximação ao real). 

Em vários lugares, como Recife ou Ribeirão Preto, pesquisadores denunciaram a presença de pesticidas nas águas de rios e mananciais. No caso de Recife, pesquisadores da UFPE encontraram atrazina (herbicida) na água de abastecimento de parte da população da cidade. Outros pesquisadores encontraram resíduos nas águas subterrâneas do Aquífero Guarani, nossa maior reserva de água para o futuro. 

Em Lucas do Rio Verde, pesquisadores encontraram contaminação por agrotóxicos em 100% das 62 mães que formam pesquisas e que pariram e amamentaram em 2010. Outros pesquisadores encontraram que 88% das amostras de sangue e urina coletadas de professores de escolas pesquisadas, apresentaram resíduos de agrotóxicos.

Mas os governos, ao contrario de tomar medidas para coibir o uso de agrotóxicos, e tentar resolver estes problemas ambientais e de saúde pública, caminham na contramão. Como já haviam denunciado diversos pesquisadores da área, o Brasil tem estimulado oficialmente o uso de veneno, inclusive através da redução de impostos e taxas. Desde 2004, o governo federal abre mão das alíquotas do PIS, PASEP e COFINS, reduzindo a zero a parcela que recaia sobre o preço dos agrotóxicos. Em 2011, o governo federal reduziu à zero a alíquota do IPI que era cobrada na industrialização dos agrotóxicos. Por outro lado, desde 1997, (prorrogado este ano) um convênio entre União e estados reduziu em 60% a base de cálculo da tributação de ICMS sobre os agrotóxicos e, em alguns estados os agrotóxicos são totalmente isentos de pagar ICMS (CONSEA, 2013). Ou seja, pagamos mais impostos para comer, do que pagam os que fabricam, vendem e utilizam os agrotóxicos. 

Está mais que evidente que a agricultura da Revolução Verde, esta agricultura industrial, agroquímica, é responsável por um sem-número de problemas socioambientais que precisam ser enfrentados e a única forma que parece ser possível para mudar este rumo seria a adoção dos princípios da Agroecologia para apoiar uma transição agroecológica de largo espectro, construindo estilos de agriculturas de base ecológica compatíveis com as condições dos diferentes agroecossistemas e sistemas socioculturais presentes nas nossas regiões e biomas. Aliás, desde 2007, a FAO vem alertando neste sentido. 

Do mesmo modo, em 2009, um estudo realizado a escala mundial, por mais de 400 pesquisadores de diferentes países, conhecido pela sigla IAASTD (sigla em inglês), isto é, Avaliação Internacional do papel do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola, de cuja resolução final o Brasil é signatário, já havia recomendado a mudança de paradigma, com foco na produção familiar e apoio para a transição agroecológica. 

Em 2010, o Relator Especial da ONU para a Segurança Alimentar, Oliver de Schutter, após um amplo estudo e debate com especialistas, recomendou a adoção do paradigma agroecológico como caminho para enfrentar os problemas da fome e garantir a todos o direito à alimentação. E mais, ele sugeriu aos países que redirecionem suas políticas de apoio e subsídios da agricultura convencional para agriculturas ecológicas, o que inclui as políticas de ensino, de pesquisa e de extensão rural.

De fato, os problemas estão diagnosticados e as alternativas estão colocadas na mesa. A mudança depende agora, das lutas e da força da sociedade civil organizada e das ações políticas dos governos e parlamentares em diferentes níveis. Mudar o problema do uso crescente de agrotóxicos depende de várias medidas, mas, principalmente requer a mudança do paradigma que rege nossa forma de produção agropecuária.

Fontes:

BRASIL. Ministério da Agricultura. Mercado de Defensivos: Câmara Temática de Insumos Agropecuários. Brasília, jan./mar. 2013. Disponível em: www.agricultura.gov.br/arq_editor/files/camarastematicas/insumos_agropecuarios/67RO/App_Defensivos_Insumos.pdf

CONSEA. CARTA à Presidenta da República. E.M. nº 003-2013/CONSEA. 10p. Disponível em: frcaporal.blogspot.com.br Acesso: 1º/09/2013.

FERREIRA, C.R.R.P.T.; CAMARGO, M. L. B. e VEGRO, C.L.R. Defensivos Agrícolas: vendas batem novo recorde em 2012 e segue em ritmo forte em 2013. In: Revista Cafeicultura (Tecnologia). 27/07/2013. Disponível em: www.revistacafeicultura.com.br/materia_impresao.php?mat=50232. Acesso: 1º/09/2013.