quinta-feira, 20 de março de 2014

O Veneno do Agronegócio

Por Inês Castilho
Agência Brasil, Blog da Redação

Na cidade onde agrotóxicos contaminam até o leite materno, Dilma apresentou modelo agrícola como “exemplo para o país”

Ao abrir nesta terça-feira (11/2), numa cerimônia em Lucas do Rio Verde (MT), a safra de grãos 2013-14, a presidente Dilma Roussef não se conteve. Entusiasmada com a perspectiva de uma colheita recorde, de 193,6 milhões de toneladas, lembrou o crescimento de 221% em vinte anos e afirmou que “o agronegócio brasileiro é exemplo de produtividade para o país”.

Será? Ao escolher Lucas do Rio Verde como local da cerimônia de saudação a este modelo, talvez Dilma não soubesse que estava dando um tiro no pé. Como louvar alimentos que envenenam a fonte mesma da vida? Mais: há muito se analisam como ilusórios os números de “produtividade”. O agronegócio gera dólares, mas eles concentram-se nas mãos de muito poucos. A monocultura mecanizada emprega cada vez menos trabalhadores. O uso maciço de pesticidas polui terra e rios, intoxica trabalhadores e comunidades e, exatamente ali, envenena leite materno. Tudo somado, são perdas incomensuráveis para os ultra ricos.

Escolhida como vitrine da safra por ser “representativa da agricultura”, Lucas do Rio Verde, 355 quilômetros ao norte da capital, Cuiabá, é dos municípios do país que mais cultivam a monocultura de soja, milho e algodão. Em 2010, foram plantados 420 mil hectares e pulverizados 5,1 milhões de litros de agrotóxicos nas plantações, atingindo o entorno do município, córregos, criação de animais. Cada habitante esteve exposto a 136 litros anuais de agrotóxicos, “quase 45 vezes maior que a média nacional — de 3,66 litros”.

Desde 2006, quando um acidente por pulverização aérea contaminou a cidade, ela passou a integrar a pesquisa “Impacto dos Agrotóxicos na Saúde do Ambiente na Região Centro-Oeste”, coordenada pelo médico e doutor em toxicologia Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – e realizada em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás entre 2007 e 2010, como parte de um projeto nacional. O estudo referente às mães coube à mestranda da UFMT Danielly Palma.

“Minha pesquisa foi um subprojeto de uma avaliação que foi realizada em Lucas do Rio Verde e eu fiquei responsável pelo indicador leite materno. Mas a pesquisa maior analisou o ar, água de chuva, sedimentos, água de poço artesiano, água superficial, sangue e urina humanos, alguns dados epidemiológicos, má formação em anfíbios” – contou Danielly à repórter Manuela Azenha, que no início de 2011 foi a Cuiabá assistir à defesa da tese sobre o impacto dos agrotóxicos em 62 nutrizes de Lucas do Rio Verde. O estudo integra o Dossiê Abrasco – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, divulgado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva em 2012. Radiografias de anfíbios com malformações coletados em lagoas e córregos podem ser conferidas aqui.

“A pesquisa revelou que 100% das amostras indicam a contaminação do leite por pelo menos um agrotóxico. Em todas as mães foram encontrados resíduos de DDE, um metabólico do DDT, agrotóxico proibido no Brasil há mais de dez anos. Dos resíduos encontrados, a maioria são organoclorados, substâncias de alta toxicidade, capacidade de dispersão e resistência tanto no ambiente quanto no corpo humano” – relatou a pesquisadora.

“Todas essas substâncias têm o potencial de causar má formação fetal, indução ao aborto, desregulamento do sistema endócrino — que é o sistema que controla todos os hormônios do corpo — então pode induzir a vários distúrbios. Podem causar câncer, também. Esses são os piores problemas.”

Talvez ignorante de fatos tão dramáticos, Dilma Roussef foi além. Conclamou empresários, prefeitos e população (!) a pavimentar ainda mais o caminho do agronegócio, desregulamentando-o. Tem papel demais nesse país, disse, “temos de simplificar os processos”, “acabar com a multiplicidade das exigências desnecessárias”, “não para destruir o meio ambiente, pelo contrário (…)”.

A fala escancara o óbvio: o agronegócio está nadando de braçada no (des)governo de nosso meio e de nossos corpos.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Mais uma tentativa de retrocesso

Jaime Miguel Weber*

A Fundação Oswaldo Cruz divulgou uma carta aberta em que se manifesta contrária à flexibilização da lei sobre agrotóxicos no País, principalmente quanto às mudanças previstas no Projeto de Lei 12.873 e no Decreto 8.133, ambos de 2013, que facilitam a importação de agrotóxicos em casos de pragas, sem necessitar de avaliação prévia dos órgãos reguladores brasileiros. Na carta, a Fiocruz afirma que a “crescente pressão dos conglomerados econômicos de produção de agroquímicos para atender às demandas do mercado” tem suprimido a “função reguladora do Estado”. A entidade, que integra o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e as ações de vigilância à saúde e disponibiliza, desde 1985, informações sobre os problemas relacionados aos agrotóxicos, alerta ainda, citando pesquisas internacionais, para os riscos, perigos e danos provocados à saúde de trabalhadores e comunidades rurais expostos a esses produtos, inclusive por meio de pulverizações aéreas de “eficácia duvidosa”.

Não é de se espantar que, mais uma vez, estamos diante de uma tentativa de alteração da legislação que trata do controle dos agrotóxicos no País. Recentemente, no Rio Grande do Sul – estado pioneiro no que se refere à regulamentação desses produtos – tentou-se permitir a comercialização de agrotóxicos cujo uso não é permitido no país de origem. Por trás dessas sucessivas tentativas de flexibilização da lei, está uma das mais poderosas indústrias do mundo: a agroquímica. Aliada a setores ligados ao agronegócio, esta indústria colocou o Brasil no vergonhoso primeiro lugar no uso de agrotóxicos em todo o planeta.

As reiteradas tentativas de flexibilização da legislação sobre agrotóxicos vão de encontro a modos de produção sustentáveis e às medidas e ações de incentivo a sistemas de produção de base ecológica, como, por exemplo, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que pode ser considerado um marco no reconhecimento institucional e na formulação de políticas públicas que incorporam os princípios da Agroecologia. É importante que a sociedade brasileira tome conhecimento dessas inaceitáveis mudanças na lei dos agrotóxicos e suas repercussões para a saúde e a vida.


*Engenheiro-agrônomo e presidente substituto da Emater/RS
Artigo publicado no Jornal do Comércio/RS, em 05/03/2014.
Reproduzido com a autorização do autor.