Francisco Roberto Caporal
O título poderia dar a
entender que vou falar do desastre de Mariana, em Minas Gerais. Reconheço, com
pesar, as tristes perdas de vidas (que temos que lamentar, muito!) e o enorme
impacto ambiental que continuará causando danos por anos afora. Junto com isso
ainda temos que ter o desprazer de ouvir das “autoridades brasileiras” que em
poucos anos tudo estará “melhor do que era” e que o Rio Doce estará
“recuperado”. Ou pior, ouvir o presidente da Vale do Rio Doce dizer que em 10
anos teremos de volta as condições ambientais que foram destruíram.
Estas
especulações, oficiais ou não, só podem nos fazer rir (ou chorar), porque mostram
a falta de preparo de quem tem responsabilidade direta pelo tema. Ao contrário,
especialistas afirmam que não haverá recuperação dos rios atingidos, em
especial do Rio Doce, em menos de 50 anos, isto é, uma geração. Quero dizer com
isso, que minhas filhas, que nunca foram ao Rio Doce, jamais o conhecerão. Isto
dá uma ideia do tamanho da tragédia. Mas não foram só os rios. Perdemos
mangues, grandes áreas de cobertura vegetal e outras áreas que prestavam
importantes serviços ambientais, hoje contaminadas ou destruídas
definitivamente. Com isso, talvez tenhamos perdido, também, centenas de
espécies.
O desastre mostra, ainda, a incapacidade dos ministérios envolvidos
na fiscalização e de seus departamentos, institutos, etc, que se mostraram
ineficientes para gerenciar e prevenir riscos daquela monta e de entender o
tamanho dos impactos. E tem gente tão despreparada tratando do assunto, que já
precificaram o desastre. Imediatamente, as empresas responsáveis devem
depositar 2 bilhões de reais, mas “acham” que para resolver o problema todo, o
preço pode chegar a 20 bilhões. De onde estas “especialidades” tiraram
estes valores? De alguma cartola, possivelmente.
Este é mais um exemplo do lado
catastrófico da gestão da natureza no Brasil. Além disso, cansa a paciência de
qualquer um escutar e ler na grande mídia, repetidamente e acriticamente, a
exortação desse como sendo o maior desastre ambiental do Brasil. Por favor, nos
poupem! Mas não era disso que
eu ia falar. O título deste texto se refere ao que eu considero, de fato, O
MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL – A DESTRUIÇÃO DO BIOMA CERRADO.
Todos nossos biomas são
objeto da ação destrutiva gerada pelo modelo de desenvolvimento, de produção e
de consumo que adotamos. Entretanto, o caso do Cerrado é emblemático, pela
fúria com que vem sendo destruído em poucos anos e pela naturalização desse
processo destrutivo como algo necessário para o “progresso”.
O Cerrado brasileiro
ocupa cerca de 24% do território nacional, algo como 2.047.067 km². É o segundo
maior bioma do Brasil e é a Savana com maior biodiversidade do planeta. Não
bastasse, é considerado “berçário” de cerca de 20 mil nascentes, logo,
importante fonte de águas doces para 12 regiões hidrográficas, cabendo destacar
que é de suma importância para o abastecimento das bacias do Amazonas e do
Pantanal e que vem do cerrado cerca de 90% das águas que correm para a bacia do
São Francisco. Trata-se, portanto, de uma “cisterna” que abastece cerca de
1.500 cidades, de 11 estados brasileiros.
Segundo algumas fontes,
o Cerrado abriga (ou abrigava) nada menos do que 12.000 espécies de plantas,
199 espécies de mamíferos, 837 espécies de aves, 180 espécies de répteis, 150
espécies de anfíbios, 1200 espécies de peixes e 67000 espécies de
invertebrados. Considerando que no Cerrado temos apenas 2,85% do bioma como
Unidade de Conservação Permanente Integral (UCPI) e somente 5,6% do território
como Unidade de Conservação de Uso Sustentável e que muitas das espécies acima
referidas têm seus habitats fora destas áreas de preservação é óbvio afirmar
que os riscos de extinção são eminentes. Só não vê quem não quer ver, ou tem
outros interesses que não a proteção da natureza.
Pois bem, dias atrás a
ministra do MEIO ambiente (parece que é só MEIO mesmo) festejou que só metade
do Cerrado foi destruído até agora. Pode? Outro ministro, na ocasião o da
agricultura, em março de 2011, chegou a dizer à imprensa que a expansão da
fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia “não teria impacto ambiental nenhum”,
pois “lá não tem nada, só cerrado”.
Isso nos dá uma ideia
do descaso das autoridades para com os impactos que o modelo de desenvolvimento
rural/agrícola brasileiro vem causando neste bioma. Em geral, quando se fala de
desmatamento, as autoridades se referem à Amazônia, pois ela está aos olhos do
mundo, mas esquecem dos demais biomas, que estão sendo objeto de grande
pilhagem ambiental. Enquanto isso, em 40 anos, cerca de 50% do Cerrado já foi
destruído. Talvez não haja exemplo igual no mundo.
Há registros da
presença de populações tradicionais no Cerrado que datam de cerca de 15 mil
anos, não obstante, a destruição mesmo começou nos anos 50 e se tornou
diabólica a partir dos anos 60-70. Mas não foi sem o apoio governamental que se
consolidou este processo danoso de destruição. Pois a ocupação não teria tido o
mesmo rumo e, talvez, o mesmo poder destrutivo se não fosse a oferta de crédito
rural subsidiado, assistência técnica gratuita, ensino de ciências agrárias
dominado pelo modelo da Revolução Verde e as pesquisas científicas de a
Embrapa. Tudo dinheiro público para impulsar a destruição.
A maioria dos políticos
e cientistas se orgulham por terem criado as condições de ocupar o Cerrado e se
jaculam por ser o bioma o segundo maior produtor agrícola/pecuário do país. A
pergunta que não quer calar é a seguinte: para produzir o que? Para quem? E a que custo ambiental e social?
Assim como ocorreram
mortes causadas pelo desastre de Mariana, no processo de ocupação/destruição do
Cerrado ela ocorrem em proporções MUITO MAIORES. Os registros de mortes de
indígenas, camponeses, pequenos agricultores que lutam por suas terras estão
por toda parte. Também é enorme e frequentemente divulgada a expulsão destes
povos das suas terras, pelo avanço dos produtores de cana-de-açúcar, soja,
algodão, milho, eucalipto e de pecuária extensiva. Tudo isso, sob o olhar das
autoridades. O mesmo ocorre com os geraizeiros, quilombolas, vazanteiros,
sertanejos, ribeirinhos e outros povos tradicionais. Há maior contradição do
que dar o Bolsa Família e ao mesmo tempo apoiar um modelo que os expulsa a
gente do campo.
Os subsídios ao
crédito, as pesquisas de órgão oficiais e a assistência técnica gratuita,
continuam. Enquanto isso, a atual ministra da agricultura festeja a famosa nova
região de fronteira agrícola (MATOPIBA) e, desta forma, a destruição com apoio
oficial se aprofundará.
Há municípios no
Cerrado que, segundo dados oficiais, chegaram a desmatar mais de 90% de seus
territórios. Há pesquisas que mostram o enorme assoreamento dos rios devidos
aos processos erosivos e perda das matas ciliares. Os lençóis freáticos estão
baixando. Fontes estão secando. A contaminação por agroquímicos chega às raias
do absurdo. Há pesquisas que mostram a presença de agrotóxicos na água da
chuva, em poços de escolas e até no leite materno. Isso tudo é o que se chama
de progresso no Cerrado. Enquanto poucos enriquecem e o governo junta algo para
seu balanço de pagamentos (dinheiro afinal malgastado), todos os demais
brasileiros têm que pagar a conta e as futuras gerações perdem ainda mais.
Quando vamos parar de
financiar a destruição do Cerrado e tudo de danoso que está associado a ela.
Será que a sociedade brasileira não deveria ser consultada para dizer se quer
ou não que este modelo continue.
Segundo os últimos
informes a que tive acesso, em torno de 57% do Cerrado ainda está em pé. Quer
dizer, cerca de 1 MILHÃO de Km² já foram destruídos em cerca de 40 anos. Grande
parte do que resta está muito dispersa, em fragmentos. Talvez menos de 20 a 30%
ainda esteja intacto. Quem sabe, salvar estes 30%? Segundo alguns estudiosos do
Cerrado, se continuar tudo como anda acontecendo, em 2030 o Cerrado deixará de
existir como tal. Quer dizer, o bioma Cerrado deixará de ser estudado em
biologia, geografia ou outras disciplinas. Passará a ser estudado na disciplina
de história. Era uma vez...
É preciso fazer algo,
denunciar, lutar. Mas o que não pode continuar, mesmo, é o dinheiro dos
impostos pagos pela sociedade continuar sendo usado para financiar este que é o
MAIOR DESASTRE AMBIENTAL do Brasil.
Se os governos
colocassem todos os recursos que financiam a destruição socioambiental em curso
no Cerrado, para apoiar um grande processo de transição agroecológica,
possivelmente ainda poderíamos recuperar parte do estrago já feito e avançar na
direção de um processo sócioambientalmente mais equilibrado. As futuras
gerações agradeceriam muito.