quinta-feira, 18 de maio de 2017

O que é Pegada Ecológica?

Por: Francisco Roberto Caporal

No início das aulas deste semestre, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), os/as alunos/as foram surpreendidos por uma novidade: a Universidade havia disponibilizado copos plásticos retornáveis, para substituir os copos descartáveis até então usados diariamente no Restaurante Universitário. Na página da UFRPE, uma notícia indicava que esta iniciativa fazia parte do Plano de Sustentabilidade da Universidade.

Mas, tão pronto foram distribuídos os primeiros copos, chegou outra grande surpresa, pois nos copos estava escrita uma mensagem: AUMENTE SUA PEGADA ECOLÓGICA. Atônitos, alguns alunos mais iniciados nas questões ambientais levaram o problema ao Núcleo de Agroecologia e Campesinato da UFRPE para denunciar o acontecido. Como pode o Plano de Sustentabilidade da Universidade recomendar o aumento da pegada ecológica?, essa era a pergunta corrente.

Logo o fato chegou ao facebook e se instalou a polêmica. Autoridades diziam que fora um equívoco da gráfica, mas alguns alunos pesquisaram e afirmaram que estava assim mesmo no edital: “Aumente sua Pegada Ecológica”. Enfim, não é nosso objetivo procurar cabelo em casca de ovo. Nossa ideia é tentar, ainda que brevemente, esclarecer um pouco sobre este tema, até porque muita coisa que rolou no facebook indica que a maioria dos estudantes não sabe de que se trata. Teve gente que chegou a afirmar que se tratava de uma gíria. 

Pois vamos lá. Poucos de nós temos consciência de que nosso consumo de comida, de roupa, de moradia, de móveis e eletrodomésticos, de água, de celulares, de transporte, etc., tem uma relação direta ou indireta com os recursos naturais, renováveis ou não renováveis, dos quais nos apropriamos, que precisam ser extraídos do meio ambiente, transformados, circulados, consumidos e retornados à natureza em forma de resíduos.

Esta falta de consciência ou de conhecimento determina que não tenhamos uma clara consciência acerca do impacto que nossas opções individuais ou coletivas podem estar causando ao meio ambiente. O exemplo mais claro disso é a luta indisfarçável de todos os países de buscar sempre o crescimento ilimitado da economia, do Produto Interno Bruto (PIB), num Planeta de recursos finitos. Uma equação impossível. Como disse, ironicamente, o economista Georgescu-Roegen, “quem acredita que é possível o crescimento ilimitado da economia em um planeta de recursos finitos ou é louco ou é economista.” 

Partindo destas reflexões, antes de definir o que é a Pegada Ecológica, é bom afirmar que, ao contrário da mensagem escrita nos copos, acima mencionado, o que nós devemos buscar é DIMINUIR A NOSSA PEGADA ECOLÓGICA.

Vejamos do que se trata. A expressão Pegada Ecológica é uma tradução do inglês para ECOLOGICAL FOOTPRINT METHOD. Trata-se de uma metodologia desenvolvida e publicada originalmente pelos pesquisadores Mathis Wackernagel e William Rees, da entidade chamada Rede Mundial da Pegada Ecológica (Global Footprint Network – GNF), em 1993, sendo atualmente utilizada por muitos pesquisadores e organizações, havendo registros de mais de 4 mil websites que tratam sobre a utilização do método.

A ideia nasce no âmbito dos debates sobre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável e da preocupação com os crescentes impactos ambientais causados, especialmente, pelo modo de produção capitalista e pelas ações humanas relacionadas ao consumismo.
Conceitualmente, se pode dizer que a Pegada Ecológica de um país, de uma cidade ou de uma pessoa corresponde ao tamanho das áreas produtivas de terra e de água, necessárias para gerar produtos, bens e serviços que sustentam determinados estilos de vida. Trata-se de uma metodologia capaz de traduzir em hectares (ha), o tamanho da área que cada país, cidade ou pessoa utilizam, em média, para se sustentar. Os seja, a “marca” que uma sociedade faz no meio ambiente para manter ou aumentar seus padrões de consumo (ver: wwf.org.br).

Segundo Ballen¹, trata-se de um método fundamentado no conceito de capacidade de carga. Ou seja, a capacidade de carga do planeta corresponderia à máxima população que poderia ser suportada indefinidamente pelos recursos disponíveis no planeta, dadas as condições tecnológicas, padrões de consumo e outras variáveis como a supressão de espécies competidoras, importação de recursos, etc.

Dizendo de outra forma, a metodologia da Pegada Ecológica é utilizada para estabelecer a área necessária para manter uma determinada população ou um sistema econômico, de forma sustentável, fornecendo à sociedade os recursos necessários, isto é: energia, recursos naturais, capacidade de absorção dos resíduos, do lixo ou dejetos do sistema, no curto, médio e longo prazos.

Neste sentido, vários estudos têm demonstrado que o padrão de consumo (ou de consumismo) das nossas sociedades já superou a capacidade ecológica do Planeta. Segundo o Relatório Planeta Vivo (disponível em wwf.org.br), atualmente, para manter o padrão de vida da população já consumimos 1,5 planetas. Quer dizer, para manter os padrões de consumo atuais, precisamos de uma Terra e meia. Mas como, se só temos uma Terra?

A resposta vem pelo lado das desigualdades. Há populações de alguns países que sobreconsomem (consumo exagerado, opulento, desmedido, incontrolado), enquanto povos de outros países não têm acesso ao mínimo necessário para se alimentar, se vestir, morar, etc. Vejamos alguns exemplos. Um estudo publicado sobre a Pegada Ecológica de 52 países mostrou que um cidadão norte-americano (USA) consome o equivalente a 9,6 ha per capita, enquanto o cidadão de Bangladesh consome, em média, o equivalente a 0,6 ha per capita. É por causa desta diferença que ainda podemos viver neste Planeta. Mas será que isso é justo isso?

Para se ter uma ideia, a média mundial da Pegada Ecológica, segundo o mesmo estudo, é de 2,2 ha per capita. No Brasil, a média é de 3,6 ha per capita. Outros estudos dizem que a Pegada Ecológica média global seria de 2,7 ha globais, enquanto a Pegada brasileira seria de 2,9 ha per capita. (disponível em wwf.org.br), ou seja: se todas as pessoas do planeta consumissem como a média dos brasileiros, precisaríamos de 1,6 planetas para manter a média do padrão mundial de consumo. Estudos pioneiros feitos para os estados de Mato Grosso (Campo Grande) e São Paulo mostraram que a pegada ecológica de um cidadão campograndense é da ordem de 3,14 ha per capita. Já, para o município de São Paulo era de 4,38 ha. Isto é, se todas as pessoas do mundo consumissem como a população paulistana precisaríamos 2,5 planetas. (disponível em wwf.org.br)

Outra vez, a média não nos informa que nessas cidades e países estudados há gente com elevadíssimo consumo e gente que nem tem o mínimo para se alimentar. Quer dizer, os mais ricos exageram no consumo, enquanto os mais pobres ficam à margem, sem acesso ao mínimo para a sobrevivência. De todo o modo, a aplicação do método nos mostra que o padrão de consumo das duas cidades brasileiras estudadas está fora de padrões compatíveis com a sustentabilidade ambiental.

De todo o modo, o método da Pegada Ecológica é útil, por um lado para a conscientização das pessoas sobre o consumo ambientalmente irresponsável e, por outro, para auxiliar na orientação de políticas públicas relativas à questão ambiental. Assim mesmo, pode ser um instrumento para uma abordagem de educação ambiental, economia solidária e equidade ambiental.

No campo da Agroecologia a metodologia da Pegada Ecológica pode ser muito importante na hora de demonstrar que a agricultura industrial capitalista das grandes propriedades apresenta uma Pegada Ecológica maior que aquela praticada pela agricultura familiar e camponesa. Se calculada, ajudaria a orientar politicas para o setor que implicariam em eliminar os monocultivos, eliminar o uso de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos, eliminar o desmatamento, evitar a erosão, desertificação, salinização e contaminação dos solos, assim como a poluição das águas e fortalecer os circuitos curtos de comercialização, por exemplo.

Por fim cabe destacar que a metodologia de cálculo da Pegada Ecológica não pretende fazer projeções sobre sustentabilidade no futuro, senão que gerar retratos instantâneos capazes de (re)orientar padrões de consumo, políticas, formas de gestão de empresas e instituições e mesmo das famílias, com respeito à sustentabilidade. 

Este breve resumo tem por objetivo estimular professores, estudantes e a cidadania em geral para que reflitam sobre a sua vida, sua relação com o meio ambiente e sobre o modo de vida e consumo de cada um e de suas organizações, neste Planeta finito.

Existem diversas páginas na internet que oferecem ferramentas para que cada um de nós, cada uma das instituições e empresas, ou cada país, possam calcular sua Pegada Ecológica. Nossa Universidade poderia fazer isso, para saber o quanto ela é sustentável do ponto de vista ambiental. Não espere por isso. Faça você mesmo o cálculo da sua Pegada Ecológica e tome medidas para diminuí-la. 

Pelo que vimos antes, a ordem é: Vamos diminuir nossa Pegada Ecológica.


¹Ver: BALLEN, HANS MICHAEL van. Indicadores de Sustentabilidade: Uma Análise Comparativa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.