terça-feira, 9 de agosto de 2016

A Agroecologia não é contra nada. É a favor da vida.

Por: Francisco Roberto Caporal* 

Outro dia, conversando com alguns alunos, me questionaram se a Agroecologia é contra os agrotóxicos. Lembrei-me de conversas infindáveis com o falecido companheiro José Antônio Costabeber, e respondi: Não, a Agroecologia não é contra nada a Agroecologia é a favor da vida. A Agroecologia não é contra os agrotóxicos ou contra os fertilizantes químicos. Todos ficaram surpresos. 

Então, tentei explicar. A Agroecologia busca promover, apoiar a transição para agriculturas e sistemas agroalimentares mais sustentáveis. Esses tipos de agriculturas ambientalmente compatíveis e mais duráveis ao longo do tempo, não comportam o uso de qualquer elemento que, por sua natureza, cause danos ao meio ambiente e à saúde, seja das pessoas, seja das outras formas de vida. É simplesmente impossível alcançar equilíbrio ecológico em sistemas que utilizam pesticidas e fertilizantes químicos. Logo, agriculturas e os sistemas agroalimentares mais sustentáveis, por definição, não podem usar nada de agrotóxico ou fertilizante químico, não porque a Agroecologia seja contra eles, mas porque eles são incompatíveis com a busca de sinergias ecológicas e socioeconômicas positivas que se necessita para alcançar melhores níveis de sustentabilidade na agricultura e nos sistemas agroalimentares. Aliás, um dos cinco axiomas da sustentabilidade, de Heinberg, afirma justamente isso: “A sustentabilidade requer que as substâncias introduzidas no ambiente pela atividade humana sejam minimizadas e tornadas inofensivas para as funções da biosfera.” Agrotóxicos e fertilizantes químicos jamais serão inofensivos para as funções ecológicas da biosfera. 

Por esta mesma razão, a Agroecologia não é contra os transgênicos. O que ocorre é que o uso de sementes transgênicas pressupõem elevados níveis de riscos ambientais e à saúde, muitos ainda desconhecidos, motivo pelo qual, neste caso, a Agroecologia prega a necessidade de se aplicar o Princípio da Precaução, isto é: não se pode utilizar sementes de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), enquanto não se sabe, exatamente e cientificamente, que os transgênicos NÃO causarão danos ao ambiente e à saúde. Logo, não se devem utilizar estas sementes, até que a ciência possa provar que os OGMs são inócuos. E, até hoje, a ciência não provou isso. Ao contrário, as evidências que se tem, até agora, indicam que sim, os OGMs causam danos à saúde e ao meio ambiente. Portanto, outra vez, não se trata da Agroecologia ser contra, mas sim da inadequação do uso de sementes transgênicas quando se busca mais sustentabilidade socioambiental na agricultura e no desenvolvimento rural. Lembrando sempre que a Agroecologia busca a construção de sistemas agroalimentares que levem a melhor qualidade de vida e a mais proteção ambiental.

Dito isto, os alunos me perguntaram: mas a Agroecologia é contra o agronegócio? Para surpresa de muitos, respondi que não. A Agroecologia não é contra o agronegócio. A Agroecologia é uma ciência e uma ciência não é contra nada. Aliás, no Brasil, o uso da expressão agronegócio tem, em geral, uma natureza política-ideológica e não técnicoeconômica ou social. 

Aqui no Brasil, a tradução da palavra “agribusiness”, tomou uma conotação políticaideológica, para fazer referência aos grandes produtores, latifundiários (mesmo que improdutivos), à agricultura industrial capitalista de exportação. Conceitualmente, é um equívoco, que só ganhou expressão por razões ideológicas. Por acaso, pequenos agricultores não participam do agronegócio? Não compram e vendem no mercado? Não têm suas agroindústrias familiares? O que é isso, senão agronegócio? Tanto é verdade, que em algumas regiões, agricultores familiares falam de “agronegocinho”, para dizerem que estão no agronegócio, mas de pequena escala. É uma piada! Não tem sentido. 

A Agroecologia não nasce como alternativa ao mal chamado “agronegócio” ou ao uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Não, a Agroecologia nasce da busca que faziam alguns pesquisadores no sentido de entender porque alguns sistemas de produção de comunidades tradicionais apresentavam melhores padrões de sustentabilidade socioambiental. Eles procuravam entender as relações socioecológicas presentes nestes sistemas que lhes asseguraram durabilidade ao longo do tempo, que alimentaram gerações e gerações sem depredar o meio ambiente, que garantiram a reprodução social de comunidades inteiras, por milênios. 

Assim, embora, epistemologicamente, a Agroecologia não se adeque a sistemas de produção de larga escala, a grandes extensões de monoculturas, isso não significa que ela é uma ciência contra eles. Simplesmente, seus conceitos e princípios não são aplicados a essas situações, devido à complexidade que isto significaria. Isso não quer dizer que seja impossível fazê-lo. Por isso mesmo, o esforço das ações baseadas no enfoque agroecológico se centra na agricultura de base familiar, nas agriculturas dos povos tradicionais e camponeses, pois é neste ambiente sociocultural que se encontram, quase sempre, as condições e conhecimentos tradicionais mais favoráveis para a construção de agriculturas mais sustentáveis. 

Isso, entretanto, não significa que os conceitos e princípios ecológicos e socioculturais que orientam a Agroecologia não possam ser aplicáveis a áreas maiores. Não é o tamanho da área que define a aplicação ou não desses princípios e conceitos, mas sim, as condições objetivas de natureza ecológica, econômica, socioculturais e éticas que se encontram em cada agroecossistema, em cada realidade. 

A agricultura orgânica já alcançou isso, mostrando que é possível aplicar práticas mais ecológicas em uma propriedade de 100, de 1.000 ou mais hectares. As produções corporgânicas, já estabelecidas em muitos lugares, são uma demonstração desta possibilidade.

O salto, no entanto, para a adoção dos conceitos e princípios da Agroecologia, vai além da simples substituição de insumos. Entre outras coisas, é necessário que se adotem critérios sociais adequados, com equidade entre as pessoas que manejam esses agroecossistemas, isto é, que a distribuição do produto e renda desses sistemas seja equitativa. Que haja equidade de gêneros. E, ainda, desde que se eliminem as monoculturas e se implantem sistemas biodiversos; que se consigam formas de melhorar a qualidade física, química e biológica dos solos, sem o uso de fertilizantes químicos de síntese; que se reduzam os processos de sobre-mecanização, sem aumentar a penosidade do trabalho. Que se estabeleçam agriculturas que apresentem maior resiliência e níveis de produção e produtividade com maior durabilidade no tempo e menor dependência de insumos externos; que se estabeleçam processos de comercialização menos impactantes ao meio ambiente, reduzindo o consumo de matéria e energia, etc. Dadas estas e outras condições, exigidas pelo enfoque agroecológico, é possível sim que as dimensões socioeconômicas, técnico-produtivas, culturais e éticas da Agroecologia sejam aplicáveis a áreas mais extensas do que os quatro módulos fiscais que definem a agricultura familiar. 

Não estou querendo dizer, nada novo. Basta olhar algumas (mas não todas) das enormes áreas de extrativismo ou algumas das grandes áreas de sistemas agroflorestais que temos neste País e que respondem aos princípios e critérios agroecológicos. A Agroecologia, portanto, não é uma ciência só para os minifúndios ou só para a produção de pequena escala. Se admitíssemos isso, estaríamos condenando a Agroecologia a um gueto. Não obstante, temos que relativizar esta questão, pois o limite de tamanho do agroecossistema será dado pela possibilidade ou não de serem aplicados os critérios agroecológicos em sua plenitude.

Isso não quer dizer que os Agroecólogos deixem de lutar em favor da reforma agrária, pelo contrário, para alcançar a amplitude da dimensão socioeconômica da Agroecologia, é fundamental a luta por mais equidade na distribuição e posse da terra, até porque este é um elemento fundante de processos mais sustentáveis de desenvolvimento rural pelos quais estamos empenhados. Entretanto, esta tem que seguir sendo uma luta mais ampla, que envolva setores importantes da sociedade interessados em ver avançar a justiça social. 

Tenho consciência, pelas questões colocadas neste texto, de que estou transitando em um terreno movediço, em temas geradores de muita controvérsia. Entretanto, nós, Agroecólogos, não podemos enfiar a cabeça na terra, como avestruzes, para não ver o entorno que nos desafia. Por isso, os temas aqui abordados são propícios para a reflexão e o debate, no processo de construção de conhecimentos que está em marcha no campo da Agroecologia.


*O autor é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agroecologia pela Universidade de Córdoba, Espanha, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato da UFRPE. Blog: frcaporal.blogspot.com.br. Email: caporalfr@gmail.com