Por:
Francisco Roberto Caporal
Temos insistido com
nossos alunos que desenvolvimento ambientalmente sustentável não existe, é uma
ficção inventada por tecnocratas. Tanto desenvolvimento como sustentabilidade
são coisas relativas, não estáticas. Não são absolutas. Quando eu falo de
sustentável, estou tomando como referência algo que não é sustentável. Quando
eu evoco a palavra desenvolvimento tomo como referência o subdesenvolvimento.
Assim, quando o presidente Truman usou pela primeira vez a palavra
subdesenvolvidos (se referindo a nós, povos do Sul) ele tomava como referência
o seu país como um exemplo de desenvolvimento.
Muito menos podemos ter
como referência o Desenvolvimento Sustentável das organizações internacionais,
da ONU, do Banco Mundial etc, que insistem em focar suas estratégias no
contínuo crescimento econômico, como a condição indispensável para resolver os
problemas socioambientais. Assim, se é certo que o crescimento econômico é
necessário em certas sociedades, também é certo de que não é em todas. Ademais,
como conceito, o DS foi esvaziado, primeiro por ter sido abandonada a ênfase
original para a solução das desigualdades sociais, chegando à Rio+20 com uma
noção absolutamente mercantil. Lançou-se a noção de “economia verde”, como se
fosse possível um capitalismo verde comandado pelo mercado.
Como lembram alguns
“objetores do crescimento”, “a tese do crescimento verde é uma falácia... pois
não existe uma combinação que permita aumentar a quantidade de produção (o PIB)
melhorando a qualidade ambiental, de modo a fazê-la compatível com os
equilíbrios naturais.” É nesta perspectiva que aparece a famosa citação,
atribuída a Boulding, que diz que “Quem acredita que um crescimento exponencial
pode continuar indefinidamente em um mundo finito, ou é louco ou é economista.”
Sobre isso, já havia
alertado Georgescu-Roegen em sua famosa obra A lei da entropia e o processo econômico. Para esse autor, “não
pode haver dúvida alguma... de que todo o uso de recursos naturais para
satisfazer necessidades não vitais leva consigo uma menor quantidade de vida no
futuro.” E vai além: “desde o ponto de vista puramente material o processo
econômico não faz mais do que transformar baixa entropia em lixo.” Ou, como ele
explica, quanto maiores e mais potentes forem os automóveis, maior e mais
contaminante será o lixo produzido. Na mesma linha, eu seu livro Prosperidade sem crescimento, Tim
Jackson afirma que “as suposições simplistas de que a propensão à eficiência do
capitalismo nos permitirá estabilizar o clima ou proteger-nos frente à escassez
de recursos não são mais que meras ilusões. Os que promovem a desvinculação
como via de escape do dilema do crescimento deveriam observar com mais cuidado
as evidências históricas e a aritmética básica do crescimento.”
Ademais, o uso
oportunista da noção de desenvolvimento sustentável aparece nas falaciosas
propagandas das indústrias de agrotóxicos, assim como no marketing de grandes empresas como a Petrobrás ou a Vale do Rio
Doce, quando elas anunciam que suas atividades de extração de petróleo e minério
são sustentáveis. Nesta esteira de inconsistências do desenvolvimento
sustentável ecotecnocrático, não tardariam a aparecer estratégias de novos
negócios tais como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a Aplicação
Conjunta (países do leste europeu) e o Comércio de emissões de gases de efeito
estufa. Como lembra Daniel Tanuro, no livro O
impossível capitalismo verde, estas trampas “foram úteis para os contaminadores”, pois ao contrario do que se
proclama elas não servem para atender os objetivos propostos, mas sim para driblá-los
“e transformá-los em fontes de lucro.” De sua análise sobre o funcionamento
destes mecanismos, Tanuro conclui que “o mercado de carbono representa, assim,
diga-se de passagem, um novo mercado especulativo gerador de bolhas
financeiras.”
Diante de tudo isso, os
especialistas não cansam de alertar que a problemática socioambiental só piorou
desde a Conferência sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972. É o
nosso caso, no Brasil. De lá para cá, perdemos partes importantes de nossos
biomas, acelerando a destruição da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica e
até do frágil Pampa, onde os campos estão dando lugar a imensos monocultivos de
eucaliptos. Enquanto isso, o famoso tripé das dimensões da sustentabilidade,
muito presente nos discursos (dimensão econômica, dimensão ecológica e dimensão
social), tem servido apenas para que os ecotecnocratas mantenham-se em seus
postos de trabalho e continuem elaborando papers
sobre sustentabilidade e escrevendo seus projetos mirabolantes de
desenvolvimento sustentável, sem nenhuma eficácia na vida real das pessoas da
cidade ou do campo.
Dentro deste quadro de
agravamento da crise civilizatória em que estamos imersos, nossa agricultura,
em que pese a sua fama, é o setor que mais emite gases de efeito estufa no
Brasil. Para “enfrentar o problema” a principal política do governo é oferecer
financiamento para que os agricultores apliquem a ABC – Agricultura de Baixo
Carbono, que segundo especialistas, sua implementação tem sido um fracasso,
dada a baixa adesão dos agricultores. Mesmo que fosse aplicada, trata-se de uma
tentativa de mudar para não mudar nada, pois o modelo da ABC é apenas um
paliativo ou, como alguns ecotecnocratas chamam, uma medida de mitigação
(palavra bonita, da moda, mas que não aumenta a resiliência dos sistemas
agropecuários baseados nos monocultivos, na química e na hipermecanização).
A ideia de uma ampla
transição agroecológica sequer passa pela cabeça da tecnocracia nacional. É
algo impensável. Ainda que já faça parte, tímida, das agendas da ONU, da FAO,
da UNCTAD (como está em artigo anterior), do IAASTD (Avaliação Internacional
sobre Ciência Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento), de 2008.
Aliás, é bom que se diga
que a FAO, em 2007 e a UNCTAD, em 2010, já haviam recomendado a substituição da
agricultura convencional agroquímica por agriculturas ecológicas. Entretanto,
estas instituições não fizeram nada para dar consequência a suas recomendações.
Pelo contrário, a FAO, por ocasião da Rio+20, divulgou um documento sobre
“agricultura verde”, semelhante ao que já havia sugerido em 1994 – a velha
noção de “intensificação verde”. Essas entidades dão voltas, mas não enfrentam
o problema pela raiz.
Por outro lado, em um
Informe de 2010, Oliver de Shutter, Relator Especial sobre Direito à Alimentação,
da ONU, afirmava que a segurança alimentar só se alcançará com uma agricultura
de base ecológica, sugerindo a necessidade de uma mudança de paradigma,
reforçando a Agroecologia como um caminho inexorável.
O problema é que o
desenvolvimento sustentável ecotecnocrático ficou tão forte nos discursos, que
deixa uma miragem de que estamos caminhando para a solução dos problemas
ambientais, da fome, da miséria, da ampla destruição da biodiversidade. Na
mesma medida, os gerenciadores do DS fogem de questões básicas como, a
distribuição da riqueza, da terra e a equidade de acesso aos recursos dos
territórios ou mesmo aos alimentos.
Talvez esteja na hora
de matar o desenvolvimento sustentável e, quem sabe, colocar ênfase no
ecodesenvolvimento de Maurice Strong e Ignacy Sachs. Pelo menos, nas noções
básicas de ecodesenvolvimento vamos encontrar algumas qualidades e valores que
começariam a mudar o quadro atual, como por exemplo: a) um claro compromisso
com as gerações futuras, estabelecendo-se uma solidariedade diacrônica sem
deixar de fortalecer laços de solidariedade entre as gerações atuais; b) a
necessidade de respeito às diferenças culturais, étnicas, sociais, de gênero;
c) a adequação da agricultura às condições dos ecossistemas ou
agroecossistemas; d) uma menor “adoração” pela tecnologia, sugerindo um pluralismo
metodológico e tecnológico, o que inclui o saber dos camponeses; e) dar
prioridade para a diversidade, ao contrario da “monocultura da mente” que
domina o modelo atual e que se reproduz no modelo convencional da revolução
verde; f) respeitar a especificidade de cada bioma; g) estimular o
desenvolvimento endógeno, com suas capacidades humanas e potenciais
ecossistêmicos; h) apostar nas atividades de pequeno porte, por serem mais
amigáveis com respeito ao meio ambiente; i) uma menor idolatria ao crescimento
infinito, etc.
Essas proposições se
aproximam muito das bases epistemológicas da Agroecologia e contribuiriam
bastante para reparar o curso alterado da coevolução homem-natureza, como
recomenda Eduardo Sevilla Guzmán.
Certamente que apenas
isso não basta. É preciso adotar outras medidas necessárias para a construção
de uma sociedade mais sustentável, entre as quais aquelas sugeridas pelos
“teóricos” do Decrescimento, o que será objeto de nosso próximo artigo de
opinião. Até lá, o que parece certo é que devemos abandonar o conceito de
desenvolvimento sustentável ecotecnocrático, pois ele
gera uma miragem que nos engana a todos.
FALOU E DISSE!!!!
ResponderExcluirCaporal, concordo integralmente com a tua análise e acrescento: A palavra "desenvolvimento" nunca contribuiu em nada a não ser para desintegrar ainda mais a sustentabilidade plena. Não há sustentabilidade sem o nosso pertencimento territorial e vital ao sistema ecozoico vida - terra. Somos apenas mais uma das tantas espécies que vivem organicamente integradas nesse planeta Terra. Nos dizeres de Edgar Morin (Terra-Pátria) somos de identidade terráquea. Não vivemos fora da terra e a ela pertencemos. Se a destruirmos, como viemos fazendo, cada vez mais aceleradamente, com ela pereceremos. Para revertermos esse processo o nosso primeiro passo poderia ser a diminuição, até a extinção, dos processos de "DES"envolvimentos com um aumento dos progressivo de ENVOLVIMENTO, principalmente do nosso pertencimento ao ecossistema e bioma terra, até chegarmos a um sistema ecozóico, onde todas as espécies vivas integrassem harmonicamente o sistema VIDA - TERRA. Sonhar é preciso e ter a utopia é fundamental para nos mantermos vivos!
ResponderExcluirMuito bom! Devemos ter cada vez mais esse pensar sistêmico, sem dissociar o indissociável! Sem dicotomizar para alienar!
ResponderExcluirConfesso ter pouca leitura sobre decrescimento e ecossocioeconomia, porém fico a pensar: saíremos de um paradigma (depois de derrubar vários outros) para assimilar um novo? Penso que deveriam surgir várias tentativas de gerenciamento, em cada bairro respeitando suas características culturais, biológicas e econômicas. O que é bastante improvável acontecer intrinsicamente devido àos vícios que a depêndencia econômica gera nas populações que se abtém de refletir e discutir suas próprias perspectivas coletivas. Aparenta-me que o caminho trilhado pela academia está ainda em perfeita consonância com os gráficos mundiais.
ResponderExcluirConcordo plenamente que não existe desenvolvimento sustentável e muito menos crescimento sustentável como os nossos dirigentes políticos tentam passar. Crescimentos "chineses" são ilusórios, até porque o crescimento da China é calculado em cima de uma situação inicial muito ruim e é feito à custos sociais e ambientais que se mostrarão desastrosos logo ali. Escrevi sobre crescimento alguns meses atrás num blog que mantenho para um pequeno grupo de amigos. Por outro lado, a agroecologia precisa se ajustar às necessidades de produzir em níveis elevados, pois a agropecuária é a única atividade que garante índices positivos da nossa balança comercial. E hoje o que é feito em termos de produção ecológica ou agroecológica não "combina" com esta necessidade do país. Além disso, os agricultores continuam, cada vez mais, focados no binômio mais produção/menor penosidade, inclusive os pequenos e alijados do mercado global.
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