Marie-Monique Robin, que dirigiu "O mundo segundo a
Monsanto", critica modelo baseado em veneno e monocultura*
Resumen Latinoamericano/ La Mañana
Córdoba (ARG), 10 de maio de 2016.
A jornalista e documentarista francesa Marie-Monique Robin, autora do “O
mundo segundo Monsanto”, esteve na cidade de Córdoba, no centro da Argentina, e
visitou o acampamento de Malvinas Argentina, que resiste à instalação de uma
empresa da Monsanto. Ela também conheceu o grupo de mães do bairro Ituzaingó,
que lutam por justiça em relação aos casos de câncer na região que são
atribuídos às fumigações.
Durante a sua estadia, Marie apresentou seu filme “Agroecologia: as
coletas do futuro”, participou de uma roda de conversa na Universidade de
Córdoba e declarou como testemunha da megacausa “La Perla”, em que se investigam
delitos de lesa-humanidade durante a última ditadura na Argentina.
Em entrevista ao diário La
Mañana, a jornalista opinou sobre o “modelo sojero” [termo usado para
denominar o modelo de produção centrado no monocultivo de soja] e os impactos do
uso de agrotóxicos na sociedade.
La Mañana - Após a visita ao acampamento Malvinas e o encontro com as
Mães de Ituzaingó, que sensações você leva de sua visita a
Córdoba?
Marie-Monique Robin - O que vejo é que a sociedade civil, os
pesquisadores, os médicos e os cidadãos estão acordando da letargia que os
acompanhava há 10 anos, quando vim fazer um documentário sobre o avanço da soja
na Argentina. Naquele momento, ninguém se preocupava muito com o que estava se
passando. Temos que levar em conta que em 2005, na Argentina, o cultivo de soja
ocupava 16 milhões hectares. Hoje são 21 milhões [de hectares].
Quando estive com os vizinhos do bairro Malvinas, e as mulheres me diziam
que tinham feito circular o documentário “A vida segundo a Monsanto”, me
emocionei. Agora, acho que a luta tem que continuar. Gera-me muita dor olhar o
estado em que se encontra o país, onde a poluição é muito forte e o glifosato
está em todos os lados: na água, na chuva, no solo, nos alimentos…
Essa tomada de consciência de que está falando se aprofunda com a
declaração da OMS [Organização Mundial de Saúde] de que o glifosato é
cancerígeno…
A classificação da Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Câncer
(Iarc), que depende da OMS, é muito importante. Muitos não compreendem essa
classificação, mas há três grupos, e o glifosato está no grupo 2. Significa que
todos os estudos realizados em animais demonstraram que ele é cancerígeno. Isso
é muito sério.
Normalmente, os governos proibiriam sua utilização. Atualmente, estou
preparando um novo documentário sobre o glifosato e, entre suas características,
ele é cancerígeno. Além disso, é um perturbador endógeno e atua como um
hormônio. Por isso, há tantos casos de crianças que nascem com malformações
congênitas e tantos abortos espontâneos. E, por último, o glifosato absorve os
metais do corpo. Ou seja, por um lado te intoxica com metais pesados e, por
outro, absorve os bons metais, como o ferro, que precisamos para ajudar a
aumentar a imunidade do corpo.
Por isso, penso (e não sou a única) que o glifosato é o maior escândalo
sanitário de toda a história da indústria química. Não é comum que um agrotóxico
tenha todos esses efeitos. Depois da decisão da OMS, tomou-se a decisão de
proibir sua venda livre na França, porque se utilizava glifosato até no quintal
das casas.
É uma primeira etapa, mas estamos aguardando que se proíba absolutamente
(como se fiz com o DDT), porque ele atua até em doses muito baixas. Há que
erradicá-lo, porque não se pode controlar nem dosar.
A Argentina está preparada para dar esse passo e proibi-lo num futuro
próximo?
As pessoas têm a consciência de que o modelo “sojero” e os transgênicos
são um problema à saúde pública e à ecologia. Falta os governos criarem
políticas ao respeito e, para isso, há que repensar as políticas de
agricultura.
Dificilmente o glifosato será proibido de um dia para o outro. De todo
jeito, encontrei com vários “sojeros” [produtores de soja] em Rosário que já não
querem utilizá-lo, porque têm problemas com o mato resistente ao
glifosato.
Eles também estão preocupados com a saúde, mas apontam que, para isso,
faz falta apoio do setor público. Nos Estados Unidos, foi criada uma empresa
para apoiar os “sojeros” que querem deixar os transgênicos. Será preciso
aprender tudo de novo.
Por
20 anos, a única coisa que se fez foi fumigar, semear e coletar. Aliás, a
maioria das pessoas que hoje estão vinculadas aos cultivos de soja não é formada
por agricultores, mas empresários que não moram onde se
fumigam. Quem
tem que dar o primeiro passo para pôr um freio às fumigações com agrotóxicos: a
Justiça ou o governo?
Os dois. Ambos são importantes porque é preciso acabar com o modelo. Tudo
é importante: a pressão da sociedade civil, a Justiça que toma medidas para
convencer os políticos que este modelo é um suicídio coletivo. É preciso
pensar não só a curto prazo, mas também ao médio e longo prazo, porque neste
momento o que está em risco é a soberania alimentar da Argentina. Hoje temos
produtos de exportação que servem para alimentar animais de outros países, e não
pessoas. Isso é vergonhoso.
Ultimamente surgiu uma movimentação de pequenos produtores que fomentam a
alimentação orgânica, ainda que seja difícil ter acesso a eles e que o custo
seja elevado.
Há muitas maneiras de ter acesso aos alimentos orgânicos. É uma questão
de organização. Sempre falo que as alternativas existem, mas o consumidor tem um
papel muito importante: tem que ser mais consciente do que está comendo e
promover as hortas orgânicas, domiciliarias e comunitárias.
Esse é um movimento mundial que hoje em dia está crescendo. Na França,
fomenta-se o cultivo em tetos e em terraços. Na Argentina, há um exemplo muito
bom na cidade de Rosário [província de Santa Fé], mas o que vejo que aqui está
em falta um Sistema de Certificação. Falam-me das feiras francas, mas a gente
não sabe se efetivamente são alimentos orgânicos ou não. Por isso, é preciso
trabalhar na certificação.
Tradução: Maria Julia Gimenez
Assista
o documentário: "O Mundo segundo a Monsanto"
*Disponível em:
A jornalista e documentarista francesa Marie-Monique Robin, autora do “O
mundo segundo Monsanto”, esteve na cidade de Córdoba, no centro da Argentina, e
visitou o acampamento de Malvinas Argentina, que resiste à instalação de uma
empresa da Monsanto. Ela também conheceu o grupo de mães do bairro Ituzaingó,
que lutam por justiça em relação aos casos de câncer na região que são
atribuídos às fumigações.
Durante a sua estadia, Marie apresentou seu filme “Agroecologia: as
coletas do futuro”, participou de uma roda de conversa na Universidade de
Córdoba e declarou como testemunha da megacausa “La Perla”, em que se investigam
delitos de lesa-humanidade durante a última ditadura na Argentina.
Em entrevista ao diário La
Mañana, a jornalista opinou sobre o “modelo sojero” [termo usado para
denominar o modelo de produção centrado no monocultivo de soja] e os impactos do
uso de agrotóxicos na sociedade.
La Mañana - Após a visita ao acampamento Malvinas e o encontro com as
Mães de Ituzaingó, que sensações você leva de sua visita a
Córdoba?
Marie-Monique Robin - O que vejo é que a sociedade civil, os
pesquisadores, os médicos e os cidadãos estão acordando da letargia que os
acompanhava há 10 anos, quando vim fazer um documentário sobre o avanço da soja
na Argentina. Naquele momento, ninguém se preocupava muito com o que estava se
passando. Temos que levar em conta que em 2005, na Argentina, o cultivo de soja
ocupava 16 milhões hectares. Hoje são 21 milhões [de hectares].
Quando estive com os vizinhos do bairro Malvinas, e as mulheres me diziam
que tinham feito circular o documentário “A vida segundo a Monsanto”, me
emocionei. Agora, acho que a luta tem que continuar. Gera-me muita dor olhar o
estado em que se encontra o país, onde a poluição é muito forte e o glifosato
está em todos os lados: na água, na chuva, no solo, nos alimentos…
Essa tomada de consciência de que está falando se aprofunda com a
declaração da OMS [Organização Mundial de Saúde] de que o glifosato é
cancerígeno…
A classificação da Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Câncer
(Iarc), que depende da OMS, é muito importante. Muitos não compreendem essa
classificação, mas há três grupos, e o glifosato está no grupo 2. Significa que
todos os estudos realizados em animais demonstraram que ele é cancerígeno. Isso
é muito sério.
Normalmente, os governos proibiriam sua utilização. Atualmente, estou
preparando um novo documentário sobre o glifosato e, entre suas características,
ele é cancerígeno. Além disso, é um perturbador endógeno e atua como um
hormônio. Por isso, há tantos casos de crianças que nascem com malformações
congênitas e tantos abortos espontâneos. E, por último, o glifosato absorve os
metais do corpo. Ou seja, por um lado te intoxica com metais pesados e, por
outro, absorve os bons metais, como o ferro, que precisamos para ajudar a
aumentar a imunidade do corpo.
Por isso, penso (e não sou a única) que o glifosato é o maior escândalo
sanitário de toda a história da indústria química. Não é comum que um agrotóxico
tenha todos esses efeitos. Depois da decisão da OMS, tomou-se a decisão de
proibir sua venda livre na França, porque se utilizava glifosato até no quintal
das casas.
É uma primeira etapa, mas estamos aguardando que se proíba absolutamente
(como se fiz com o DDT), porque ele atua até em doses muito baixas. Há que
erradicá-lo, porque não se pode controlar nem dosar.
A Argentina está preparada para dar esse passo e proibi-lo num futuro
próximo?
As pessoas têm a consciência de que o modelo “sojero” e os transgênicos
são um problema à saúde pública e à ecologia. Falta os governos criarem
políticas ao respeito e, para isso, há que repensar as políticas de
agricultura.
Dificilmente o glifosato será proibido de um dia para o outro. De todo
jeito, encontrei com vários “sojeros” [produtores de soja] em Rosário que já não
querem utilizá-lo, porque têm problemas com o mato resistente ao
glifosato.
Eles também estão preocupados com a saúde, mas apontam que, para isso,
faz falta apoio do setor público. Nos Estados Unidos, foi criada uma empresa
para apoiar os “sojeros” que querem deixar os transgênicos. Será preciso
aprender tudo de novo.
Por
20 anos, a única coisa que se fez foi fumigar, semear e coletar. Aliás, a
maioria das pessoas que hoje estão vinculadas aos cultivos de soja não é formada
por agricultores, mas empresários que não moram onde se
fumigam. Quem
tem que dar o primeiro passo para pôr um freio às fumigações com agrotóxicos: a
Justiça ou o governo?
Os dois. Ambos são importantes porque é preciso acabar com o modelo. Tudo
é importante: a pressão da sociedade civil, a Justiça que toma medidas para
convencer os políticos que este modelo é um suicídio coletivo. É preciso
pensar não só a curto prazo, mas também ao médio e longo prazo, porque neste
momento o que está em risco é a soberania alimentar da Argentina. Hoje temos
produtos de exportação que servem para alimentar animais de outros países, e não
pessoas. Isso é vergonhoso.
Ultimamente surgiu uma movimentação de pequenos produtores que fomentam a
alimentação orgânica, ainda que seja difícil ter acesso a eles e que o custo
seja elevado.
Há muitas maneiras de ter acesso aos alimentos orgânicos. É uma questão
de organização. Sempre falo que as alternativas existem, mas o consumidor tem um
papel muito importante: tem que ser mais consciente do que está comendo e
promover as hortas orgânicas, domiciliarias e comunitárias.
Esse é um movimento mundial que hoje em dia está crescendo. Na França,
fomenta-se o cultivo em tetos e em terraços. Na Argentina, há um exemplo muito
bom na cidade de Rosário [província de Santa Fé], mas o que vejo que aqui está
em falta um Sistema de Certificação. Falam-me das feiras francas, mas a gente
não sabe se efetivamente são alimentos orgânicos ou não. Por isso, é preciso
trabalhar na certificação.
Tradução: Maria Julia Gimenez
Assista
o documentário: "O Mundo segundo a Monsanto"
*Disponível em:
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