Por: Francisco Roberto
Caporal [1]
Já faz tempo que tentamos alertar para o uso abusivo,
equivocado, maldoso, oportunista ou por má fé, do vocábulo Agroecologia. E não
por acaso, mas porque vínhamos observando que estava ocorrendo uma apropriação,
cooptação e uso temerário da palavra, sem levar em conta os conceitos e
princípios nem, muito menos, as bases epistemológicas da Agroecologia.
Para começo de conversa, é bom registrar que Agroecologia não
é tudo, nem é a salvação para todos os males. Já escrevemos em outro lugar:
Agroecologia não é a panaceia salvadora para todos os problemas das sociedades.
A Agroecologia não se propõe a tomar o lugar de outras ciências. Logo, há
coisas que se resolvem no âmbito das ciências exatas ou naturais, assim como há
coisas que se resolvem no campo da política e não são, necessariamente, do
campo de estudo da Agroecologia.
Como a palavra explicita, quando falamos de Agroecologia se está
tratando de algo que tem a ver com AGRO e com ECOLOGIA.
Segundo a Wikipédia, o prefixo agro tem origem no verbete latino agru que significa "terra cultivada ou
cultivável". Já a palavra "agricultura" vem do latim agricultūra, composta por ager (campo, território) e cultūra (cultivo), no sentido estrito de
cultivo do solo.
Por outro lado, a
ecologia é a ciência que estuda o meio ambiente e os seres vivos que vivem
nele, ou seja, é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres
vivos e das interações que determinam a sua distribuição. A
palavra tem origem no grego “oikos” que significa casa e “logos” que significa
estudo.
Visto isso, vamos adiante. Nossa intensão é tentar, da forma
mais didática possível, explicar o que não é Agroecologia.
Vejamos. Muita gente usa a palavra Agroecologia para se
referir a uma agricultura sem o uso de agrotóxicos e/ou fertilizantes químicos
sintéticos. Ora, este tipo de agricultura pode ser resultado não da
adoção/aplicação de princípios ecológicos, mas simplesmente por tratar-se da
impossibilidade do uso destes insumos, por diferentes razões, inclusive pela
falta de recursos financeiros para compra-los. Agricultores pobres que não usam
insumos químicos não são necessariamente agroecológicos.
Também não é necessariamente agroecológica, uma agricultura
em que foram substituídos os produtos químicos por insumos biológicos, naturais
ou orgânicos e ponto. Neste caso poderemos estar frente ao que vem sendo
tratado como “convencionalização” da agricultura orgânica ou ecológica. Isto é,
se mantem a mesma lógica da agricultura industrializada da revolução verde,
inclusive o modelo de monocultivos, só que neste caso sem a utilização de
insumos químicos. As chamadas produções “corporgânicas”, que já existem em
muitos lugares, certamente são orgânicas e certificadas, mas não são
sustentáveis do ponto de vista socioambiental e muito menos agroecológicas. O
mesmo ocorre na agricultura familiar, quando esta se especializa e passa a
dedicar-se ao monocultivo de uma única espécie (animal ou vegetal).
Por outro lado, há os que confundem Agroecologia com “um tipo
de agricultura”. Vejamos. Dadas as bases epistemológicas da Agroecologia,
faz-se necessário considerar, pelo menos dois aspectos centrais: por um lado o
fato de que a agricultura é uma prática social que é influída, entre outras
coisas, pelos elementos de cultura, valores, normas, regras e cosmovisões dos
grupos sociais que a praticam. Por outro lado, trata-se de modificar
ecossistemas visando a produção de alimentos, fibras, matérias primas, etc, daí
porque os agroecossistemas (ecossistemas modificados pela prática da
agricultura) passam a ser primeira unidade de análise da Agroecologia (digamos:
a escala de propriedade, comunidade ou território). Não obstante cada
agroecossistema poderá apresentar características biofísicas, condições
ecológicas que os diferenciam dos demais. Se isso é verdade, a aplicação dos
princípios da Agroecologia nos levará a uma diversidade de “tipos de
agriculturas” resultantes de como sejam os arranjos entre os sistemas sociais/culturais
e os sistemas ecológicos de cada lugar, ou ainda, de diferentes formas de
integração dos saberes locais/tradicionais com os conhecimentos científicos
aplicados.
A Agroecologia não é, portanto, um tipo de agricultura, nem
uma agricultura alternativa. Compreender desta forma tem levado a muita gente
falar e escrever equivocadamente: “fazer a transição para a Agroecologia”.
Seria o mesmo que aplicar um Teorema de Pitágoras e dizer que se está fazendo a
transição para a matemática.
De fato, a Agroecologia por ser uma transdisciplina, nos
oferece um cabedal de conhecimentos de muitas disciplinas que, em diálogo com
os saberes locais/tradicionais, e o uso de metodologias e tecnologias
apropriadas, contribuirá para o desenho de agroecossistemas ou de sistemas
agroalimentares mais sustentáveis do ponto de vista socioambiental,
culturalmente mais aceitáveis e economicamente viáveis.
Assim, não é por acaso que diversos autores têm recomendado
que nos processos de transição e redesenho de agroecossistemas, sejam
observadas diferentes dimensões da Agroecologia, tais como as dimensões técnico-agronômica;
socioeconômica e cultural; sociopolítica e, mais recentemente, a dimensão
energética.
Entendido deste modo, podemos afirmar que a Agroecologia é
uma ciência do campo da complexidade, que busca superar os enfoques cartesianos,
reducionistas, e adota um enfoque sistêmico e uma abordagem holística. Nada
disso é novo. Apenas recalcamos aqui para tentar refutar alguns argumentos que
afirmam que a Agroecologia é uma prática ou um movimento social.
Vamos por partes. Primeiro, se a Agroecologia é uma ciência
ela não pode ser uma prática. Na verdade, como visto antes, ela nos oferece
ferramentas para a construção de agroecossistemas mais sustentáveis, logo nos
dá as bases para muitas práticas que podem ser bastante diferenciadas. Muitas
delas podem ser estritamente técnico-agronômicas, mas outras podem ser de outra
natureza: sociais, culturais, políticas, etc.
Por outro lado, a Agroecologia também não é um movimento
social. Na verdade existem muitos movimentos sociais agroecológicos, que são
formados por adeptos da Agroecologia, por pessoas e organizações que acreditam
que esta ciência é revolucionária, na medida em que vem se constituindo como um
novo paradigma que poderá contribuir para retomar o curso alterado da
coevolução social e ecológica, que foi rompido naqueles lugares onde o modelo
da revolução verde se tornou hegemônico. Assim, não é a Agroecologia que é um
movimento social, como muitos escrevem. A Agroecologia é, na verdade, o
elemento galvanizador de quantos participem desses movimentos. É o que lhes dá
identidade e unidade. Com isso, não se nega a importância dos movimentos
agroecológicos, pelo contrário, se reforça e se destaca seu papel como
movimento social que luta por estabelecer um novo caminho para o avanço das
sociedades nos processos de desenvolvimento rural e da agricultura, apontando
que este caminho pode ser orientado por esta nova ciência em construção, a
Agroecologia.
De igual modo, a não compreensão da Agroecologia como uma
ciência, leva a que muitos utilizem frases como: “existe mercado para a
Agroecologia”, “a Agroecologia agora é uma política pública” ou ainda, “vamos
fazer uma feira de Agroecologia”. Todas estas frases mostram um enorme equívoco
gnosiológico[2].
Por fim, cabe salientar que existem diferentes tipos de
agriculturas alternativas, com diferentes denominações, enfoques, técnicas,
normas, preparados, etc, que podem ser chamadas de ecológica, biológica,
orgânica, natural, permacultura, biodinâmica, etc. Nada contra elas, mas é
importante salientar que esses tipos de agriculturas não necessariamente tomam
como referência as bases epistemológicas da Agroecologia e não necessariamente
observam as diferentes dimensões antes mencionadas. Em muitos casos, sequer
tratam de redesenhar os agroecossistemas tendo como referência o
estabelecimento de novas relações funcionais e
estruturais de base ecológica. Não compreender estas diferenças tem levado a
outros equívocos, como usar indistintamente “produtos orgânicos ou
agroecológicos”, ou dar o nome de Feira Agroecológica ao local onde se vende
estritamente produtos orgânicos.
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