segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Breve abordagem sobre sustentabilidade

Na página de Opinião do nosso Blog, na semana que passou, escrevemos um breve texto sob o título “Adeus ao Desenvolvimento Sustentável”, cujo conteúdo suscitou bastante interesse. Por esta razão, esta semana não vamos escrever nada novo, mas divulgar um texto que escrevemos há 14 anos. O texto abaixo, de outubro de 1999 (que há época foi utilizado como documento de subsídio para o debate interno sobre adoção da Agroecologia como ciência para a orientação das ações extensionistas, que vinha sendo realizado na EMATER do Rio Grande do Sul), já destacava a insustentabilidade do discursos do desenvolvimento sustentável ecotecnocrático. Passaram-se 14 anos... e daí? Cadê a prometida sustentabilidade, que não sai dos discursos? Hoje, 17-10-2013, quando escutamos os discursos de lançamento do Plano Nacional de Agroecologia (PLANAPO), tanto do governo como de representantes da sociedade civil, foi possível observar, outra vez, o quão vazios de conteúdo estão estes discursos. Por um lado, se evidencia a cooptação que desde o primeiro governo Lula imobiliza a chamada sociedade civil organizada do campo e as suas entidades de assessoria, já que elas cada vez dependem mais do dinheiro do governo federal para poderem sobreviver. Por outro lado, as emoções evidenciadas no Ato Oficial, com o lançamento de um “Planinho”, que não ataca nada da insustentabilidade da maior parte da agricultura nacional, é a expressão de que seguimos nos auto-iludindo com as vazias promessas dos sucessivos governos quanto à sustentabilidade ambiental. Mas, trataremos exclusivamente sobre o PLANAPO em um próximo artigo.

BREVE ABORDAGEM SOBRE SUSTENTABILIDADE

Francisco Roberto Caporal¹

Quando tratarmos sobre o tema da sustentabilidade, é necessário que, como primeira e mais ampla visão, procuremos entender que o Planeta em que vivemos é um sistema fechado do ponto de vista dos recursos naturais, assim como é um sistema fechado do ponto de vista das externalidades que resultam dos processos produtivos. – sejam eles agrícolas ou industriais.

Portanto, devemos estar atentos para o fato de que o sucesso de ações locais não nos exime de um permanente esforço no sentido de analisar o desenvolvimento do ponto de vista global-planetário.
Observe-se, por exemplo, que existem sérias contradições de natureza conceitual e estrutural entre a noção ecotecnocrática de desenvolvimento sustentável e as políticas impostas pelas mesmas instituições que as sustentam (BM, FMI, OMC). Neste sentido vale notar as imposições de ajustes macroeconômicos e os acordos de comércio internacional (em bases desiguais) que, juntamente como a exigência de pagamento das dívidas externas, obrigam os países empobrecidos a adotar medidas e políticas que resultam em maiores impactos ao meio ambiente.

Igualmente, a disparidade nas políticas agrícolas entre os países do Norte e os do Terceiro Mundo, representada claramente pelos elevados subsídios que oferecem aqueles países a seus agricultores, nada tem a ver com a ausência de subsídios entre nós ou com os preços, cada vez mais baixos, dos produtos que exportamos. Mesmo assim, a tônica dos discursos continua sendo a exigência de “competitividade” imposta aos países do Sul e seus agricultores. Estas políticas, em ambos os lados estimulam a continuidade de estilos de produção de alimentos e de matérias primas produzidos em condições de elevado impacto ambiental. E estes são só pequenos exemplos do que podem ser as contradições do discurso liberal do desenvolvimento sustentável.

Para resolver a equação crescimento x meio ambiente, os adeptos desta corrente liberal propugnam pela idéia absurda – economicista – dos chamados trade-offs – substituições. Assim, estabelecem, desde a perspectiva da economia neoclássica, uma racional, ainda que ambientalmente inútil, noção de 4 tipos de capital intercambiável = a) capital natural (estoque de ativos ambientais); b) capital humano (as pessoas com suas capacidades, educação permanente, sua cultura e suas instituições); c) capital social (formado basicamente pelas aplicações em saúde, educação, conhecimento, nutrição, etc...) e, d) capital gerado pelo homem (infraestruturas que entram como resultados positivos nas contas, etc...).

Segundo este pensamento liberal (no qual se incluem economistas do Banco Mundial), o que importa – com respeito às gerações futuras – é que tenhamos a capacidade de manter igual o somatório destes quatro tipos de capital. Para isso, necessitamos saber manejar diferentes combinações e formas de substituição e complementariedade entre eles, de modo que a redução de um possa ser compensada pelo crescimento de outro tipo de capital.

Esta lógica, absurda, ainda quando se refere às necessidade de conhecermos os níveis críticos de cada capital mencionado, se esquece que aquilo que consideram como estoque de capital natural é muitas vezes irreprodutível, não renovável e que, portanto, usado uma vez não estará disponível para ser usado por uma segunda vez, tendendo pois, à completa exaustão. Daí porque esta corrente se aferra na idéia de que a ciência e a tecnologia continuarão, indefinidamente, criando condições para a substituição do que chamam “capital natural”.

Seguindo nesta mesma linha de raciocínio, e ainda nos marcos da Economia Neoclássica, a Economia do Meio Ambiente ou Economia Ambiental, tratam de tentar resolver seus problemas teóricos, adotando a mesma lógica dos preços e das mercadorias, que fazem parte do corpo central do pensamento destas correntes.

Os “bens da natureza” passam a ser “transformados” em mercadorias e, como tal, sujeitas ao estabelecimento de “preços” para a representação do seu valor. Absurdamente, passam a ser estimulados os chamados “direitos de poluir” (incluindo bônus com limites), ou a idéia da “disposição a pagar” que, de uma forma tão hipotética quanto irreal, tenta estabelecer preços que as gerações futuras estariam dispostas a pagar para desfrutar de recursos naturais hoje disponíveis e que seriam preservados para elas.

Com esta breve incursão no campo tão complexo da economia, pretendemos tão somente tentar demonstrar que o discurso ecotecnocrático do desenvolvimento sustentável, ao continuar centrado na necessidade de crescimento econômico ilimitado, acaba entrando em contradições indissolúveis que só servem para demonstrar as incoerências do discurso ambientalista amparado pelas organizações internacionais e pelos governos liberais.

Por isso, ao pensarmos no estabelecimento de premissas sobre as quais assentar a busca da sustentabilidade, iniciamos por negar-nos a aderir às correntes liberais do desenvolvimento sustentável e buscar as bases mais sólidas dadas pelas correntes culturistas e ecossocialistas da sustentabilidade, caminhando na perspectiva daquelas correntes que podem ser identificadas com os nomes de ecossocial ou agroecológico.

Um primeiro elemento que precisamos, então, considerar é um novo enfoque da economia, retomando a sua concepção original: OIKONOMIA – de administração dos recursos, o que ao lado da ecologia (estudo do ambiente) nos permite uma concepção mais holística e sistêmica da relação entre os homens e destes com o meio ambiente. Daí porque a Economia Ecológica e a Ecologia Política parecem ser ferramentas mais adequadas que aquelas que estão sendo impostas desde a perspectiva liberal.

Assim, retomando o rumo desta discussão, pensamos que a perspectiva apontada pela Agroecologia é, sem dúvidas, uma alternativa mais adequada, e nos sugere ferramentas mais úteis, para a construção do desenvolvimento rural mais sustentável.

Em primeiro lugar, uma proposta de desenvolvimento rural mais sustentável precisa, necessariamente, romper com as imposições econômicas, sociais, culturais, políticas e ideológicas do desenvolvimento convencional e do enfoque ecotecnocrático da sustentabilidade. Isto implica a necessidade de repensar as noções de modernização e progresso criadas e difundidas a partir de interesses econômicos e identidades sócioculturais alheias à nossa realidade.

Neste sentido, é importante darmos um passo inicial reconhecendo que, ao invés de buscarmos a homogeneização pretendida pelas estratégias convencionais, devemos potencializar os elementos de resistência, de articulação, de ação coletiva e de potencialização de conhecimentos existentes nas comunidades locais.

Como lembra Eduardo Sevilla Guzmán, o desenvolvimento rural orientado pelos princípios da Agroecologia “se baseia no descobrimento, sistematização, análise e potencialização dos elementos de resistência locais ao processo de modernização, para, através deles, desenhar, de forma participativa, esquemas de desenvolvimento definidos desde a própria identidade local, do etnoecossistema concreto em que nos encontramos”.

Portanto, estamos falando de desenvolvimento local ou desenvolvimento endógeno (ainda que não autárquico) e, nesta perspectiva, cabe destacar a necessidade de ajudar a reconstruir o poder das comunidades, fortalecendo todas as formas possíveis de ação social coletiva, pois estas possuem, em si mesmas, “um potencial endógeno transformador”.

Para isto, o enfoque difusionista deverá dar lugar a um enfoque construtivista, no qual a agricultura seja entendida como uma construção social e não, simplesmente, como a aplicação de algumas tecnologias.

Não queremos afirmar que já não têm valor os resultados da pesquisa e os avanços da ciência. Ao contrário, acreditamos que o desenvolvimento rural mais sustentável deverá adotar como ferramenta estilos de agricultura participativa, localmente adaptada e culturalmente aceitável, que desenvolvam tecnologias agrícolas apropriadas lançando mão dos avanços tecnológicos oferecidos pela pesquisa convencional, subordinando-os aos reais interesses e condições de apropriação por parte da comunidade local, de modo que a tecnologia não se constitua em elemento de alienação e dominação.

Trata-se, pois, da geração e desenvolvimento de modelos agrícolas/agrários alternativos, de base ecológica, centrados no conhecimento local, adaptados sócioculturalmente, condizentes com a evolução histórica das comunidades e seus agroecossistemas.

Pelo que vimos acima, ao contrário do falso discurso ecotecnocrático da sustentabilidade, as correntes que se aderem às perspectivas da Agroecologia – como campo de estudos, análises e desenho de agroecossistemas mais sustentáveis – entendem a idéia da sustentabilidade como um conceito relativo, ou como nos ensina Stephen Gliessman, como uma busca permanente no sentido do estabelecimento de contextos gerados pela articulação de um conjunto de elementos que permitem a durabilidade no tempo dos mecanismos de reprodução social e ecológicos de um etnoagroecossistema.

Trazendo isto para o campo prático do desenvolvimento rural e da agricultura mais sustentável, devemos entender que o endógeno ou local, não significa nada de estático ou imutável, senão que está em permanente processo de experimentação e aprendizagem – que digere o que vem desde fora – e incorpora nos seus estilos de manejo dos recursos naturais e formas de fazer agricultura, os elementos cuja assimilação não resulte em agressão à sua “lógica etnoecológica de funcionamento” ou, como destaca Sevilla Guzmán, quando o externo, o que vem de fora, possa ser adaptado a esta lógica e possa ser incorporado ao endógeno sem romper com sua identidade local ou agredir sua qualidade de vida.

Por fim, podemos dizer que, se buscamos mais sustentabilidade em nossos processos sociais e produtivos, precisamos estabelecer um novo padrão agrícola que seja respeitoso frente à identidade local, sem impactar negativamente os agroecossistemas além de sua capacidade de regeneração (de resiliência). Ademais, é fundamental que o enfoque tecnológico a ser adotado tenha em conta a necessidade de reciclar os dejetos e todos os lixos resultantes do processo produtivo; deve preservar e incrementar a biodiversidade, assim como deve buscar uma rápida substituição de insumos não renováveis, visando, entre outras coisas, a maximização dos resultados em relação ao uso de matéria e energia.

Este novo padrão, para que possa ter sucesso, deve basear-se em alternativas que sejam social e culturalmente aceitáveis em cada zona, além de assegurar, pelo menos, um mínimo de ingresso econômico/financeiro necessário para a reprodução das unidades familiares.

Para que se possa fortalecer este processo de transição a estilos de agricultura mais sustentáveis, será necessário um grande esforço na pesquisa e conservação de recursos genéticos, identificação e estudo dos diferentes agroecossistemas com o objetivo de entender-se de forma mais clara os condicionantes culturais e ambientais que limitam as possibilidades de respostas em cada agroecossistema.

Como conclusão: 

Depois das décadas de desenvolvimento convencional e modernização, ninguém mais se atreve a falar de desenvolvimento sem tratar de adjetivá-lo com a palavra sustentável. Não obstante, pelo menos desde 1972 fala-se em desenvolvimento sustentável, sem que tenha havido, de fato, qualquer mudança substantiva nos modos de produção agrícola e industrial, a não ser para piorar as condições ambientais.

Em função disso, surgiram centenas de conceitos de desenvolvimento sustentável, sem que se tenha alcançado unanimidade em torno de um único deles que possa dar conta do que se pensa e de como seria o caminho para sua operacionalização. Por isso, ao invés de continuarmos tentando construir mais um conceito que sirva para o esforço que está sendo levado a cabo pela EMATER/RS, preferimos tratar a questão enfatizando, por um lado, a necessidade de estarmos sempre em alerta para as dimensões econômica, social, ambiental, cultural, política e ética da sustentabilidade, que devem orientar nossa ação. Por outro lado, lançamos mão da Agroecologia como orientação teórica para esta ação, adotando seus princípios e pautando o trabalho da extensão como uma busca permanente para o estabelecimento de contextos adequados para a sustentabilidade (conforme nos ensina Gliessman).


¹O autor é Engenheiro Agrônomo, Extensionista Rural da EMATER/RS, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/UFSM e Doutor em Agronomia pelo Instituto de Sociología y Estudios Campesinos da Universidad de Córdoba-Espanha. Paper elaborado em outubro de 1999.

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