quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Agrotóxicos em Aldeia: o caso do Glifosato

Por: Francisco Roberto Caporal (1) e Maíra Boeck Silva (2)

Tornou-se comum, nos últimos anos, a prática a chamada “capina química” com o uso do herbicida glifosato (Roundup). Faz poucos dias, vimos um senhor fazendo uma aplicação deste herbicida em Aldeia, nas proximidades do Km 11. Infelizmente, a propaganda deste herbicida leva as pessoas a pensar que se trata de um veneno que não causa problemas ao ser humanos, aos animais e ao meio ambiente, o que já foi desmascarado por inúmeras pesquisas científicas, como demonstraremos abaixo.

Em pesquisa realizada no Canadá, por Arbuckle, et al (2001), os autores relacionaram o Glifosato ao aumento da incidência de abortos entre a 12ª e a 19ª semana de gravidez em mulheres de agricultores expostas a esta substância. A exposição aos herbicidas a base de Glifosato também foi associada ao desenvolvimento da doença de Parkinson (BARBOSA et al., 2001). Pesquisas anteriores, realizadas na Suécia, e publicadas no Journal of American Cancer Society, afirmaram que existe uma relação entre o contato prolongado com Glifosato e o linfoma não-hodgkin, uma forma de câncer (HARDELL; ERIKSSON, 1999).  

Um estudo realizado na Colômbia estabeleceu relações entre as aplicações aéreas do Plano Colômbia (Glifosato com POEA + Cosmoflux 411F), com danos no material genético de comunidades da fronteira Colombo-equatoriana, nas províncias de Sucumbíos (Equador) e Putumayo (Colômbia). Analisaram-se um grupo de 47 mulheres expostas às aplicações e todas sofreram com sintomas de intoxicação e apresentaram lesões genéticas em um terço das células sanguíneas pesquisadas (MALDONADO, 2003). 

Em pesquisa in vitro, utilizando células mononucleares de sangue periférico, Martinez et al (2007), confirmaram o efeito tóxico do Glifosato e suas preparações comerciais para células humanas. A tese apresentada por Rivera (2008), determinou que o glifosato tem efeito citotóxico e genotóxico em linfócitos humanos cultivados in vitro e expostos durante 48 horas à substância. Em 2009, Gasnier et al constataram danos ao DNA e ação carcinogênica, mutagênica e tóxicas para reprodução causados por herbicidas à base de Glifosato em células humanas e in vivo. Entre os efeitos provocados por herbicidas a base de Glifosato também foram relatadas em embriões de anfíbios (Xenopus laevis) estão: microftalmia (olhos menores que o normal), microcefalia (cabeças pequenas e deformadas), ciclopia (um olho só, no meio do rosto,), malformações craniofaciais (deformação de cartilagens faciais e cranianas) e encurtamento do tronco embrionário (PAGANELLI et al, 2010). 

Samsel e Senneff (2013) constataram que os peixes expostos ao Glifosato desenvolvem problemas digestivos, como a ruptura das pregas da mucosa, considerada uma reminiscência da doença celíaca (uma doença autoimune, cujos efeitos são precipitados pelo consumo de alimentos contendo glúten). Reportagem do Journal Le Monde, em Córdoba, na Argentina, revelou que a associação das Mães do Bairro de Ituzaingo denunciou mais de 200 casos de câncer entre os 5 mil habitantes. Em 2009, as mães conseguiram que um juiz proibisse a pulverização por aérea a menos de 1,5 quilômetros das habitações. (LEGRAND, 2011). 

De acordo com a mesma reportagem, na província do Chaco, na Argentina, na fronteira com o Paraguai, um estudo revelou que ao longo dos dez últimos anos a incidência de câncer triplicou, e o das malformações quadruplicou. Recente pesquisa realizada por Jayasumana et al (2014) no Sri Lanka, evidenciou a relação do Glifosato com doença renal crônica de etiologia desconhecida, os autores sugerem que o Glifosato se torna bastante tóxico para os rins, quando misturado com água "dura" ou metais como arsênio e cádmio, que podem existir naturalmente no solo ou ser adicionados através de fertilizantes. A água dura contém metais como cálcio, magnésio, estrôncio, ferro, entre outros. Tais constatações poderiam explicar similar epidemia de doenças nos rins observadas em Andra Pradesh (Índia) e na América Central.

Estes, e centenas de outros trabalhos, apotam os riscos associados ao glifosato. O herbicida ainda contamina as águas, inclusive dos lençóis freáticos, elimina as minhocas, causa danos à vida microscópica do solo, gera plantas resistentes, etc.

Esperamos que as informações acima contribuam para que os moradores de Aldeia eliminem a prática da “capina química” com o uso de herbicidas, em defesa da saúde de todos e da proteção do meio ambiente.  

Referências: Para quem ainda tem dúvidas, sugerimos a leitura dos trabalhos abaixo.

ARBUCKLE, T. E. et al. An exploratory analysis of the e.ect of pesticide exposure on the risk of spontaneous abortion in an Ontario farm population. Environmental Health Perspectives, vol 109, n 5: p851-857, 2001.

BARBOSA ER; LEITE C. Parkinsonism after glycine-derivate exposure. Movement Disorders vol 16.n3: p565-568, 2001.

GASNIER, C et al. 2009. Glyphosate-based herbicides are toxic and endocrine disruptorsin human cell lines. Toxicology 262, 184–191.

HARDELL, L; ERIKSSON, M. A case-control study of non-Hodgkin lymphoma and exposure to pesticides. Cancer, Lund, n.º 85(6), p. 1353-1360, 15 de março de 1999.

JAYASUMANA C. et al. Glyphosate, Hard Water and Nephrotoxic Metals: Are They the Culprits Behind the Epidemic of Chronic Kidney Disease of Unknown Etiology in Sri Lanka? International Journal of Environmental Research and Public Health. 2014; 11(2):2125-2147.

LEGRAND, C. En Argentine, les habitants exposés à l'herbicide se plaignent de multiples affections. Journal Le Monde. 08.08.2011 à 16h36. Disponível em:  http://www.lemonde.fr/planete/article/2011/08/08/en-argentine-les-habitants-exposes-a-l-herbicide-se-plaignent-de-multiples-affections_1557289_3244.html.

MALDONADO, A. daños genéticos en la frontera de ecuador por las fumigaciones del plan Colombia. Informe de Investigación, 2003.

MARTINEZ, A. et al. Citotoxicidad del Glifosato en células mononucleares de sangre periférica humana. Biomédica Bogotá, v. 27, n.4, Dec.  2007.

PAGANELLI.A. et al. Glyphosate-Based Herbicides Produce Teratogenic Effects on Vertebrates by Impairing Retinoic Acid Signaling. Chemical Research in Toxicology, vol. 23, n. 10, p1586-1595. American Chemical Society. 2010.

RIVERA, A.D. Efecto citotóxico y genotóxico del glifosato em linfócitos humanos. Tese de Doutorado. Universidade Veracruzana. Faculdade de Biologia, Xalapa. 2008.

SAMSEL, A.; SENEFF, S. Glyphosate, pathways to modern diseases II: Celiac sprue and gluten intolerance. Interdisciplinary Toxicology, Vol. 6, No.4, 159–184, 2013.


As autores, são moradores de Aldeia:
(1) Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agroecologia pela Universidad de Córdoba, Espanha e Membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato da UFRPE. Email: caporalfr@gmail.com BLOG: frcaporal.blogspot.com.br
(2) Engenheira Agrônoma, Doutoranda em Agroecologia pela Universidad de Sevilla, Espanha. Email: mairaboek@yahoo.com.br

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