segunda-feira, 4 de junho de 2018

Mercados de Proximidade: Circuitos Curtos de Comercialização


Por: Francisco Roberto Caporal
Recife, 30 de maio de 2018.

A mobilização dos caminhoneiros e empresas de transporte de cargas nos deixa muitos ensinamentos, entre os quais destacamos aqui a questão da produção e do abastecimento de alimentos.
 
Faz muito tempo que nós do campo da Agroecologia estamos insistindo sobre a importância dos Circuitos Curtos de Comercialização (CCC) por serem uma estratégia mais adequada do ponto de vista ambiental e, também, porque contribuem para assegurar melhores qualidades nutricionais dos alimentos, entre outros aspectos positivos.

Como todos sabemos quanto mais distância percorre um alimento, menos sustentável ele será, uma vez que o transporte implica em elevado consumo de matéria e energia (diesel, caminhões, etc). Há estudos mostrando que alimentos produzidos ecologicamente ou os chamados produtos orgânicos, que são comercializados a longas distâncias, podem ser menos sustentáveis do ponto de vista ambiental do que alimentos produzidos de forma convencional e comercializados em distâncias curtas. Esses alimentos orgânicos podem ser muito ecológicos dentro da porteira, dentro da unidade de produção, mas são menos sustentáveis quando estudados a partir de uma análise do metabolismo social do complexo agroalimentar do qual fazem parte.

Pode parecer paradoxal, mas é verdade. Não basta produzir ecologicamente, é preciso que se estabeleçam cadeias de comercialização que aproximem a produção do consumo, para que se alcance maiores níveis de sustentabilidade socioambiental. Quanto mais próximos estiverem os lugares de produção dos lugares de consumo mais sustentabilidade alcançaremos.

Vejam que não estamos discutindo as qualidades intrínsecas dos alimentos ecológicos. É óbvio que são melhores para nossa saúde e é óbvio que sendo produzidos sem a utilização de agrotóxicos, sem fertilizantes químicos e sem sementes transgênicas também serão mais amigáveis em relação ao meio ambiente. Sobre isso, se pensamos de forma egoísta, não importa de onde vêm os alimentos orgânicos que compramos, importa que tenhamos acesso a eles. Não obstante, se pensamos como uma sociedade que quer ser mais sustentável, então a questão da distância entre produção e consumo assume uma destacada importância.

Pois aí vem uma lição que pode ser retirada da mobilização dos caminhoneiros. Assistindo ou ouvindo os noticiários nestes dias tumultuados da paralização dos transportes de cargas, chamou atenção que muitas das reclamações sobre desabastecimento de alimentos estavam relacionadas com as grandes distâncias. Em tempos de calmaria ninguém se dá conta, mas quando temos um problema de transportes logo compreendemos, por exemplo, que não é racional levar melões e mamão do nordeste para abastecer as CEASAs de São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. 

Tampouco é racional que os sistemas de produção animal e as enormes plantas dos frigoríficos estejam concentrados em alguns poucos lugares do Brasil. Isso é racional apenas do ponto de vista do lucro dos produtores e empresários que participam destas cadeias, mas não é racional nem do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, nem do ponto de vista da segurança alimentar e, muito menos, do ponto de vista da qualidade dos alimentos.

Aliás, sobre isso, já em 1973, o economista britânico nascido na Alemanha E. F. Schumacher, em seu livro “Small is beautiful” (traduzido e editado no Brasil com o título “O Negócio é ser pequeno”), já alertava que os pequenos negócios, seja em qual for o setor da economia, são socioambientalmente mais amigáveis do que as grandes extensões, as grandes produções intensivas e os grandes conglomerados industriais ou de prestação de serviços, etc.

Neste sentido, quando escutamos os representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) alertando para o risco ambiental que poderia advir da mortalidade de milhões e milhões de galinhas, isso não é mais que parte do risco assumido ao se estabelecer modelos de produção intensivos, extremamente concentrados e que só estão preocupados com o lucro, com a racionalidade econômica. Portanto, a morte de milhões de galinhas em situações excepcionais é uma parte inerente ao modelo intensivo de produção que não tem como resolver-se diante de imprevistos como a atual paralização dos transportes. O normal para o modelo seria que os produtores recebessem a ração diariamente ou semanalmente, mas se isso não ocorre, é óbvio que o negócio está em risco. Mas ninguém fala desta parte do problema. Nem os representantes do setor, nem qualquer dos meios de comunicação tradicionais que cobriram a situação. E o pior é que o risco, neste caso, não é só dos proprietários destes milhões de galinhas. Nestes momentos os riscos passam a ser de todos nós, são riscos da sociedade, pois esta possível mortalidade causará danos ao meio ambiente, contaminação de águas superficiais, de lençóis freáticos, de solos e muito mais.
     
     Portanto, a greve do setor de transportes de cargas nos deixa algumas lições. Para o que interessa neste espaço, destacamos: 
    1)  Sistemas de produção intensivos, baseados apenas na racionalidade econômica e no lucro, são de alto risco para a sociedade. 
    2) Sistemas agroalimentares baseados em circuitos longos de comercialização, além de serem insustentáveis do ponto de vista ambiental, são mais arriscados do ponto de vista da segurança alimentar.

Sem aprofundar mais no assunto, deixamos esta breve reflexão para que nossos leitores tirem suas próprias conclusões. Lembramos, entretanto, que a alimentação é um ato político e deve ser uma decisão nossa. Podemos optar por apoiar os modelos intensivos e contaminadores de produção e os Circuitos Longos de Comercialização, deixando tudo como está, ou optamos pelo consumo de proximidade, pelos Circuitos Curtos de Comercialização.

6 comentários:

  1. Estimado Caporal, muy bueno su artículo. Estoy de acuerdo en todo lo que Ud dice. Sólo agregaría que los circuitos cortos dan trabajo a los pequeños campesinos de las propias ciudades. Así, no tienen que migrar de su ciudad, buscando trabajo en las grandes ciudades por salarios pequeños. Agradezco sus aportes. Alejandro, desde Santa Fe, Argentina.

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  2. Excelente ..Bom artigo..Feiras, mercados locai....Comidas regionais .. É a ideia italiana no Slow Food

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  3. Minha avó contava que às vésperas da Revolução Constitucionalista de 1932 houve uma grande crise de abastecimento nas cidades por conta da crise de 1929, e o povo da roça que se alimentava do que produzia nas suas terras e das trocas com os vizinhos, nem sonharam com a tal da crise.

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  4. Circuitos curtos é segurança e soberania alimentar

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    1. CaraElaine. Nossos avós eram sábios.guardavam carne do porco dentro da lata de banha.tinham suas galinhas e hortas mesmo dentro das cidades. Transformavam frutas da época em doces e geléias que duravam meses.

      Etc...a "modernidade" destruiu tudo isso

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