Heitor
Scalambrini Costa*
Nos últimos anos em Pernambuco, a
máquina de propaganda do governo estadual, aliado a mídia empresarial, e a setores
cooptados da academia tem insistentemente anunciado a implantação de grandes
empreendimentos econômicos para mudarem a vida dos pernambucanos. Chamam a isso
de “desenvolvimento”, mas que na realidade acaba promovendo conflitos
socioambientais de grandes proporções. Vejam bem.
O Complexo Industrial Portuário de Suape
(CIPS), cujos investimentos já ultrapassaram 60 bilhões de reais é um dos
exemplos de uma obra contestada desde seu início, nos anos 70 do século
passado. Prometida como a redenção econômica do Estado, o novo Eldorado, a jóia
da coroa, tornou-se um pesadelo para milhares de trabalhadores e moradores do
entorno do Complexo. Estima-se que já foram demitidos 42 mil trabalhadores da
indústria de petróleo, 4 mil da indústria metal mecânica e 5 mil do setor de
fretamento. Além da expulsão de mais de 10 mil famílias que moravam naquele
território e viviam da agricultura familiar, da pesca e da coleta de mariscos.
Hoje sobrevivem nas periferias das cidades, cujos modos de vida foram interrompidos
drasticamente.
Mesmo com anúncios oficiais de recordes,
ano a ano, na movimentação de cargas, o que se verifica no CIPS são obras
paradas, estagnação da produção, demissões em massa de trabalhadores
desamparados dos seus direitos trabalhistas, desastre ambiental, além das
violações dos direitos humanos com expulsão truculenta dos antigos moradores. Com
esta realidade os dirigentes do Estado deslocaram seu discurso
“desenvolvimentista” para o litoral norte, para a fábrica da Fiat, como novo polo
de “desenvolvimento” em Pernambuco. Todavia aquele território vivencia uma
situação que não é a mesma anunciada pela propaganda oficial. Inúmeros
problemas socioambientais estão ali presentes.
Hoje é a instalação de parques eólicos a
bola da vez no discurso da salvação econômica do Estado. O que se verifica nos
últimos anos, com o que agora é conhecido como “o negócio dos ventos” é o
crescimento vertiginoso destes empreendimentos, com a instalação de centenas e milhares
de aerogeradores, em particular no Nordeste brasileiro. Mais do que aspecto econômico,
a energia eólica traz consigo uma carga de contradições. Nos estados como a
Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará movimentos sociais e populações atingidas
denunciam violentos conflitos e situações de injustiça ambiental relacionada à
implantação dos parques eólicos.
Em Pernambuco se inicia um processo sem discussão
com os envolvidos, que não leva em conta os erros cometidos em outros estados/municípios.
Segundo a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico “30 parques eólicos estão em fase
de projeto ou construção e cinco já em fase de operação, localizados em 14
municípios do Estado, somando mais de R$ 3 bilhões em investimentos. Quando
todos estiverem operando terão capacidade para gerar mais de 800 Megawatts
(MW)”. É lamentável que não se estabeleça procedimentos consultivos e um
cuidado maior para evitar o ocorrido em outros municípios. As decisões são
monocráticas, sem consultas e discussão com as populações envolvidas, com as prefeituras
locais, com os sindicatos de trabalhadores rurais, enfim, com a sociedade.
Ao invés disso, autoritariamente, entre
quatro paredes são estabelecidos acordos com os empreendedores no que se refere
à concessão de facilidades, de benefícios, como por exemplo, a promessa de
mudança da política estadual florestal (Lei 11206/95), dispensando a
obrigatoriedade de elaboração de Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de
Impacto Ambiental – EIA/RIMA para supressão parcial ou total da vegetação de
preservação permanente (PL 407/2015). Nesta proposta estes estudos não serão
mais obrigatórios, para os “negócios dos ventos”.
Nestes acordos nada transparentes constam
mudanças danosas ao meio ambiente e consequentemente às pessoas, como o aumento
da altura da vegetação que delimita as áreas de proteção permanente (APP), já
que o potencial eólico no Estado se encontra nestas áreas. Como o projeto de
lei 396/2015 prestes a ser votado em plenário, sendo já aprovada pela Comissão
de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (ALEPE). Assim as áreas de proteção
permanente se tornam vulneráveis. E finalmente, outro compromisso assumido
junto aos empresários foi às autorizações para supressão de vegetação no bioma
Caatinga para a instalação dos parques eólicos. Desde 2012, mais de 800 ha já foram
autorizados pela ALEPE para o desmatamento neste bioma, através dos seguintes
leis votadas e aprovadas pela ALEPE: Lei 14.897/2012, Lei 14.990/2013, Lei
15.336/2014,Lei 15.394/2014, Lei 15.395/2014, PLO 128/2015 e PLO 457/2015. .
O que de fato existe hoje é um modelo
vigente de análise da economia medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) que está em cheque. Este modelo é uma falácia, pois não considera a
profunda intervenção que é realizada em seu nome nos ritmos da natureza e a
exploração predatória desenfreada dos bens e serviços dos ecossistemas, em nome
do aumento do PIB, acarretando enormes prejuízos e colocando em risco o
equilíbrio dos ecossistemas.
Um forte apelo para justificar as
mudanças em curso na legislação ambiental e para o desmatamento é que os
parques eólicos vão gerar emprego e renda. Entretanto, tal ladainha não se
sustenta. No início das instalações existe a euforia, retratada recentemente
pelos meios de comunicação em reportagens nos municípios onde foram instalados
tais equipamentos. E depois? O que já se conhece e está relatado em outras
regiões foi o ressurgimento do desemprego, da estagnação econômica nos
municípios, da perda da soberania territorial dos povos e comunidades tradicionais
locais, comprometendo assim seus modos de vida, além em muitos casos, do
desastre da destruição ambiental.
Logo, a
proposta do governo estadual de transformar a geração de energia eólica em uma
grande oportunidade para o semiárido, deve ser vista com cautela e muita
preocupação. Infelizmente, como está sendo implantada atualmente, a geração
eólica acaba se resumindo na concentração de renda, com altos lucros para os
empreendedores, tais projetos se caracterizando como promotores de exclusão
social e de desmatamento da Caatinga, um bioma único, que já vem sendo
dilapidado há anos em nome do ”tal de desenvolvimento” (vide o “polo gesseiro”
em Pernambuco). Além de poder afetar tragicamente os mananciais de água com o
desmatamento dos brejos de altitude, hoje não mais protegidos pela legislação.
O caso mais emblemático seria o desmatamento da Mata do Bitury (no município do
Brejo da Madre de Deus) onde nascem riachos que alimentam a bacia do rio
Capibaribe, para dar lugar a parques eólicos.
Os dirigentes em Pernambuco aderem a
este conceito de crescimento econômico a qualquer preço, confundindo-o com
desenvolvimento e tornando refém de um paradigma ultrapassado de análise da
economia. Iludem a população com o discurso de geração de emprego e renda. Falham
no planejamento e agem irresponsavelmente não respeitando o meio ambiente, com
consequências drásticas para as gerações presentes e futuras. Considera-o um
entrave à realização de negócios, daí sua destruição. Persistem em um modelo
que mantém as desigualdades, a exclusão social e as injustiças socioambientais.
Afinal a quem beneficia este
“desenvolvimento”?
*Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
Outubro/2015
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