Por:
Francisco Roberto Caporal
20/07/2017
É lamentável, para não
dizer triste, a enorme confusão que a chamada “militância técnica”[1] da
Agroecologia vem fazendo ao longo do tempo. E está cada vez pior, pois a cada
dia “nascem” das pedras dezenas de agroecólogos. Alguns chegam a dizer que
aprenderam “na prática”, enquanto outros dizem que leram a cartilha de técnicas
orgânicas. Pelo amor de Deus!
No início dos anos
2000, meu colega Costabeber (falecido) e eu, já tratávamos de advertir sobre os
equívocos que vinham ocorrendo no campo da Agroecologia. Passados 17 anos, as
coisas só pioraram. Por má fé ou por ignorância, a palavra Agroecologia é usada
para qualquer coisa, para qualquer objetivo, por mais que este seja apenas
viabilizar uma boa venda de produtos. Usar a palavra Agroecologia virou moda,
como ocorreu com desenvolvimento sustentável – expressão que já não diz nada
quando pretende dizer tudo. Entre os alertas que fazíamos no início dos anos
2000, era destacada a necessidade de levar-se em conta, nos processos de
transição agroecológica, as seis dimensões da sustentabilidade: ambiental,
econômica, social, cultural, política e ética. Caso contrário, poderíamos
caminhar para agriculturas orgânicas convencionalizadas, baseadas em
monoculturas e na substituição de insumos. Parece que este foi o caminho
prioritário da “militância técnica”, com todos seus equívocos.
O primeiro grande
equívoco, que talvez seja a raiz de toda a confusão, foi achar que Agroecologia
e agricultura sem veneno é a mesma coisa. Agricultura sem veneno pode nem mesmo
ser ecológica ou orgânica. Decorre daí o passo seguinte, que foi achar que
agricultor pobre, que não usa agrotóxicos porque não tem dinheiro, é,
automaticamente, um agricultor agroecológico. Muitos desses agricultores foram
carimbados pelas assessorias “militantes” e até passaram a se autodeclarar, equivocadamente,
agroecologistas ou agricultores ecológicos. As feiras estão cheias deles.
Este rolo conceitual se
multiplica por culpa da “militância técnica agroecológica”. É ela a responsável
por rotular os agricultores como agroecológicos, quando isso seria
absolutamente desnecessário. Também é ela a responsável pela confusão que
denomina feira agroecológica, feira orgânica ou feira ecológica, tudo como
sinônimos. A “militância técnica”, não toda ela, mas aquela mal formada e mal
informada cria tanta confusão que acaba confundindo a cabeça de agricultores
que antes sabiam bem o que eram (tinham uma identidade) e agora devem passar a
ser algo mais e incorporar algo novo na sua cultura, inclusive reproduzindo em
suas falas o discurso da “militância técnica agroecológica”, que decerto achou
que eles não merecem ter autonomia.
Do mesmo modo, foi a
“militância técnica” que disse que famílias que receberam cisternas ou famílias
que usam sementes crioulas, para citar dois de dezenas de equívocos nesta
linha, são famílias que se orientam pelos princípios da Agroecologia. Não faz
queimadas, é agroecologista. O mesmo vale para outras práticas de convivência
com o semiárido. Na verdade, pode tratar-se apenas da adoção de práticas de
convivência ou de agricultura tradicional, o que é louvável, mas que não quer
dizer que isso envolva a Agroecologia. Aliás, arrisco a afirmar que a maioria
das famílias que receberam as tais “tecnologias sociais” (outro invento
conceitual equivocado) nunca antes haviam pensado na tal da Agroecologia, até
que os “militantes técnicos” pisassem em seus terrenos ou em suas comunidades,
promovendo reuniões de “difusão verde” no velho modelo extensionista.
Aliás, fazendo um
parêntesis, o difusionismo voltou
com força. O que mudou foi o conteúdo. Se antes a ação dos extensionistas do
estado (duramente criticada pela “militância técnica agroecológica”) era para
difundir as tecnologias da revolução verde, dos agroquímicos e sementes
transgênicas, agora os técnicos de OGs e de ONGs se empenham para difundir as tecnologias mais verdes,
ainda que nem sempre ecológicas. Estamos vendo uma absurda “difusão
agroecológica”. De todo modo é difusão, é invasão cultural, como dizia Paulo
Freire. Trata-se de uma educação
bancária do verde. O que é lamentável! Foram inventadas até as tais de “oficinas
de concertação” ou os “intercâmbios técnicos”, para não chamar de difusão.
O que estou querendo
dizer, com estes poucos exemplos, é que a Agroecologia não precisa virar moda,
até porque ela não é uma moda. A Agroecologia não precisa ser TUDO e nem
precisa tocar tudo para que vire ouro.
Vamos simplificar: quem
não sabe o que é a Agroecologia procure se informar, trate de estudar, sair do
puro empirismo e do achismo. A Agroecologia, repetimos pela enésima vez, é uma
ciência e se não for entendida como tal propicia inúmeros equívocos e ações “militantes”
que podem até ter boas intenções, mas que só servem para gerar mais confusões
ou, no limite, para levar agricultores à ilusão de que com a Agroecologia eles
vão resolver todos os seus problemas. Isso, de início, é uma mentira, uma
enganação.
Por fim, mais um
alerta. Paira entre nós, em especial entre a “militância técnica”, a ideia de
que todos os agricultores devem
empenhar-se para fazer a transição agroecológica em suas unidades de produção.
Não sei de onde tiraram isso! Vejamos. Se a transição agroecológica é uma estratégia
de mudança/transformação nas dimensões ambiental, econômica, social, política,
cultural e ética da sustentabilidade para se avançar na direção de agriculturas
mais sustentáveis, é provável que muitos agricultores/famílias e suas unidades
de produção estejam mais próximos dessas condições socioambientalmente mais
sustentáveis do que aquelas que possam ser alcançadas por processos de
transição tecnicamente dirigidos.
O inverso é verdadeiro.
Dizer que os indígenas, quilombolas e outros grupos sociais “sempre fizeram
Agroecologia” é um enorme equívoco e, inclusive, pode ser um insulto aos sues
modos de vida e elementos de cultura que determinaram ou influíram nas suas
decisões sobre como relacionar-se com a natureza. Muitos destes povos foram
além do que hoje buscamos com a Agroecologia que é recolocar nos trilhos o
processo de coevolução homem-natureza que foi rompido pela revolução
industrial, pelo capitalismo e por seus tentáculos no mundo rural, através da
modernização com seus pacotes técnicos da revolução verde.
Dito isso, proponho,
sem querer ser arrogante, que façamos um acordo. Abandonemos a ideia de que a
Agroecologia é a panaceia iniciada no século XX e que vai resolver todos os
problemas dos agricultores do século XXI. Tratemos a ela simplesmente como uma
ciência. Com certeza vai dar mais certo e não criaremos tanta confusão na
cabeça de tanta gente.
Para aqueles que não
entenderam o que estamos tentando dizer, sugerimos que leiam outros textos disponíveis
neste mesmo blog. Saudações agroecológicas!
[1]
Entendemos por “militância técnica agroecológica” aqueles profissionais, de
qualquer ou sem qualquer formação acadêmica que atuam como difusores de
tecnologias mais verdes, de pacotes de técnicas de produção orgânica, ou,
simplesmente de insumos que possam substituir os agroquímicos da agricultura
convencional. Quando se faz referência, neste texto, à “militância técnica”,
não estamos fazendo referência a todos os agentes de ater, de ensino e de
pesquisa que atuam com agricultores, mas sim nos referimos aos voluntaristas,
que mesmo sem saber o que é Agroecologia, se assumem como difusores de algo que
lhes parece ser ou que ouviram dizer que é agroecológico.
Respeito seu ponto de vista, mas não vejo muita utilidade nem pertinência em seu ponto de vista se me permite comentar.
ResponderExcluirEm primeiro lugar parece aquelas eternas lutas acadêmicas pelas 'palavras' sobre oq a palavra agrocologia deve significar.
Primeiro porque a palavra agrocologia já é a junção de dois conceitos amplos,criando um terceiro mais amplo ainda.
Daí surgem os velhos acadêmicos embolorados dizendo oq eles escolheram para que o conceito abrange ou não. Puro preciosismo sem utilidade.
Em segundo, prefiro ver gente simples, na prática e na luta, tentando plantar e colher de forma ecológica, fazendo crescer com sua experiência uma corrente de mudanças, do que discurso acadêmico que não chega na realidade do campo.
Ciência agrícola no Brasil foi feita pra agronegócio e multinacional. Pequeno agricultor está muito melhor tratado por ONGs e iniciativas privadas que estão mudando a realidade de milhares de vidas do que livros cheios de poeira que serve pra senhor de engenho.
Por fim, ciência é o que ela quiser. A mudança, evolução, mutabilidade e adaptação dos paradigmas são o sangue das ciências. Então, se gente simples, prática e militância técnicas estão arregaçando a manga fazendo o que a ciências técnica e empoeirada não fez há 300 anos, viva e palmas a todos que pensam e lutam por uma agricultura diferente.
Estou de acordo...em parte. Não se trata apenas da luta pelo purismo de uma palavra e seu significado, mas de afirmar uma nova proposta paradigmática, capaz de se contrapor no campo acadêmico às ciências agrárias convencionais. Depois, concordo que gente simples vêm fazendo transformações e outro tipo de agricultura, só não precisamos e não deveríamos chamar de Agroecologia, pois estas pessoas simples a quem você se refere, não chamam assim...
ResponderExcluirBom texto, caro Caporal. Pôs os pingos nos is. Concordo com quase tudo. Entretanto, sem querer dizer que essa foi a sua intenção, gostaria de fazer uma ressalva quanto à diferença entre "difusionismo" e a "teoria da difusão de inovações", que você conhece, mas muitos leitores possivelmente não.
ResponderExcluirDifusionismo, na minha opinião, foi a crença de que o progresso técnico se daria linear e naturalmente ao longo do tempo, independente de outros processos (econômicos, sociais, políticos, ambientais, etc) que possam interferir no seu sucesso. Sabemos que tais processos atrasam ou mesmo impedem que tal progresso (seja qual for o padrão tecnológico ou socioeconômico que se pretenda) ocorra.
Já a teoria de difusão de inovações, de Everett Rogers, tenta explicar o processo pelo qual a geração, difusão e adoção de inovações ocorre. O processo ocorre em todos os meios sociais, e atinge todas as atividades econômicas. Conhecendo os fatores que afetam esse processo, é possível tomar decisões sobre como acelerá-lo. Claro que não estamos falando aqui de decisões politicamente neutras ou éticas. Mas a difusão ocorre, quer queiramos ou não, e por isso é importante saber como.
Grande abraço!!
Um salve a tí, Caporal, e ao camarada Costabeber, que sempre empunhou a bandeira da clareza epistêmica, conceitual, quando estava entre nós. Endosso esta tese, e acho mesmo que esta clareza (esta ciência) conceitual é a base para que exista algo "diferente". Sem ela, perdemos todos. O desafio aqui no sul do sul não é menor, e a busca de não deixar este debate (tema) silenciar necessita de energia diária.
ResponderExcluirAbraço
https://youtu.be/d4Xy6yBM378
ResponderExcluirvoce concorda!!
ResponderExcluirAgricultura Sintrópica
Uma tentativa culta de conseguir o necessário daquilo que precisamos para nos alimentarmos, além das outras matérias primas essenciais para nossa vida, sem a necessidade de diminuir e empobrecer a vida no lugar, na terra. Isto implica em considerarmos um gasto mínimo de energia, onde não cabe maquinaria pesada, agrotóxicos, fertilizantes químicos e outros adubos, trazidos de fora do sistema. A agricultura, dessa forma, passa a ser uma tentativa de harmonizar as atividades humanas com os processos naturais de vida, existentes em cada lugar que atuamos. Para conseguirmos isto é preciso que haja em nós mesmos uma mudança fundamental, uma mudança na nossa compreensão da vida.
Excelente, Texto Caporal. Comungo totalmente com o que aqui foi abordado. Sou formada em Agroecologia e nos últimos tempos é lamentável o que vem sendo difundido, sobre a Agroecologia e por muitas vezes, por pessoas que não tem nenhum tipo de formação sobre a Agroecologia, mas como foi abordado, apenas pelo o que ouviram falar. E acho que essa discussão deve ser cada vez mais evidenciada nos espaços que discutem Agroecologia e nos espaços que estão a disseminando de forma equivocada!
ResponderExcluirPerfeito!!
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