Por: Francisco Roberto Caporal
Temos
insistido com nossos alunos que desenvolvimento ambientalmente sustentável não
existe, é uma ficção inventada por tecnocratas. Tanto desenvolvimento como
sustentabilidade são coisas relativas, não estáticas. Não são absolutas. Não há
“O” desenvolvimento, nem há “A” sustentabilidade. Ademais, o desenvolvimento
entendido como crescimento ilimitado da economia (não é o que os governos
buscam = aumentar sempre o PIB) não é compatível com o que se busca com a
sustentabilidade. Quando eu falo de sustentável, estou tomando como referência
algo que não é sustentável. Quando eu evoco a palavra desenvolvimento tomo como
referência o que eu considero como subdesenvolvimento. Assim, quando o
presidente Truman usou pela primeira vez a palavra subdesenvolvidos (se
referindo a nós, povos do Sul) ele tomava como referência o seu país como um
exemplo de desenvolvimento.
Muito
menos podemos ter como referência o Desenvolvimento Sustentável das
organizações internacionais, da ONU, do Banco Mundial, etc, que insistem em
focar suas estratégias no contínuo crescimento econômico, como a condição
indispensável para resolver os problemas socioambientais. Assim, se é certo que
o crescimento econômico é necessário em certas sociedades, também é certo de
que não é necessário para todas. Ademais, como conceito, o DS foi esvaziado,
primeiro por ter sido abandonada a ênfase original para a solução das desigualdades
sociais, chegando à Rio+20, em 2012, com uma noção absolutamente mercantil.
Lançou-se a noção de “economia verde”, como se fosse possível um capitalismo
verde comandado pelo mercado.
Como
lembram alguns “objetores do crescimento”, “a tese do crescimento verde é uma
falácia...pois não existe uma combinação que permita aumentar a quantidade de
produção (o PIB) melhorando a qualidade ambiental, de modo a fazê-la compatível
com os equilíbrios naturais.” É nesta perspectiva que aparece a famosa citação,
atribuída a Boulding, que diz que “Quem acredita que um crescimento exponencial
pode continuar indefinidamente em um mundo finito, ou é louco ou é economista.”
Sobre
isso, já havia alertado Georgescu-Roegen em sua famosa obra A lei da entropia e o processo econômico.
Para esse autor, “não pode haver dúvida alguma... de que todo o uso de recursos
naturais para satisfazer necessidades não vitais leva consigo uma menor
quantidade de vida no futuro.” E vai além: “desde o ponto de vista puramente
material o processo econômico não faz mais do que transformar baixa entropia em
lixo.” Ou, como ele explica, quanto maiores e mais potentes forem os
automóveis, maior e mais contaminante será o lixo produzido. Na mesma linha, eu
seu livro Prosperidade sem crescimento,
Tim Jackson afirma que “as suposições simplistas de que a propensão à
eficiência do capitalismo nos permitirá estabilizar o clima ou proteger-nos
frente à escassez de recursos não são mais que meras ilusões. Os que promovem a
desvinculação como via de escape do dilema do crescimento deveriam observar com
mais cuidado as evidências históricas e a aritmética básica do crescimento.”
Ademais,
o uso oportunista da noção de desenvolvimento sustentável aparece nas
falaciosas propagandas das indústrias de agrotóxicos, assim como no marketing de grandes empresas como a
Petrobrás ou a Vale do Rio Doce, quando elas anunciam que suas atividades de
extração de petróleo e minério são sustentáveis, o que é impossível. Nesta
esteira de inconsistências do desenvolvimento sustentável ecotecnocrático, não
tardariam a aparecer estratégias de novos negócios tais como o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), a Aplicação Conjunta (países do leste europeu) e o Comércio de
emissões de gases de efeito estufa. Como lembra Daniel Tanuro, no livro O impossível capitalismo verde, estas trampas “foram úteis para os contaminadores”,
pois ao contrario do que se proclama elas não servem para atender os objetivos
propostos, mas sim para driblá-los “e transformá-los em fontes de lucro.” De
sua análise sobre o funcionamento destes mecanismos, Tanuro conclui que “o
mercado de carbono representa, assim, diga-se de passagem, um novo mercado
especulativo gerador de bolhas financeiras.”
Diante
de tudo isso, os especialistas não cansam de alertar que a problemática
socioambiental só piorou desde a Conferência sobre Meio Ambiente, realizada em
Estocolmo, em 1972. É o nosso caso, no Brasil. De lá para cá, perdemos partes
importantes de nossos biomas, acelerando a destruição da Amazônia, do Cerrado,
da Mata Atlântica, do Pantanal e até do frágil Pampa, onde os campos estão
dando lugar a imensos monocultivos de eucaliptos. Enquanto isso, o famoso tripé
das dimensões da sustentabilidade, muito presente nos discursos (dimensão
econômica, dimensão ecológica e dimensão social), tem servido apenas para que
os ecotecnocratas mantenham-se em seus postos de trabalho e continuem
elaborando papers sobre
sustentabilidade e escrevendo seus projetos mirabolantes de desenvolvimento
sustentável, sem nenhuma eficácia na vida real das pessoas da cidade ou do
campo.
Dentro
deste quadro de agravamento da crise civilizatória em que estamos imersos, nossa
agricultura, em que pese a sua fama, é o setor que mais emite gases de efeito
estufa no Brasil. Para “enfrentar o problema” a principal política do governo é
oferecer financiamento para que os agricultores apliquem a ABC – Agricultura de
Baixo Carbono, que segundo especialistas, sua implementação tem sido um
fracasso, dada a baixa adesão dos agricultores. Mesmo que fosse aplicada,
trata-se de uma tentativa de mudar para não mudar nada, pois o modelo da ABC é
apenas um paliativo ou, como alguns ecotecnocratas chamam, uma medida de
mitigação (palavra bonita, da moda, mas que não aumenta a resiliência dos
sistemas agropecuários baseados nos monocultivos, na química e na
hipermecanização).
A
ideia de uma ampla transição agroecológica sequer passa pela cabeça da
tecnocracia nacional. É algo impensável. Ainda que já faça parte, tímida, das
agendas da ONU, da FAO, da UNCTAD, do IAASTD (Avaliação Internacional sobre
Ciência Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento), de 2008.
Aliás,
é bom que se diga, que a FAO, em 2007 e a UNCTAD, em 2010, já haviam recomendado
a substituição da agricultura convencional agroquímica por agriculturas
ecológicas. Entretanto, estas instituições não fizeram nada para dar
consequência a suas recomendações. Pelo contrário, a FAO, por ocasião da
Rio+20, divulgou um documento sobre “agricultura verde”, semelhante ao que já
havia sugerido em 1994 – a velha noção de “intensificação verde”. Essas
entidades dão voltas, mas não enfrentam o problema pela raiz.
Por
outro lado, em um Informe de 2010, Oliver de Shutter, Relator Especial sobre
Direito à Alimentação, da ONU, afirmava que a segurança alimentar só se
alcançará com uma agricultura de base ecológica, sugerindo a necessidade de uma
mudança de paradigma, reforçando a Agroecologia como um caminho inexorável.
O
problema é que o desenvolvimento sustentável ecotecnocrático ficou tão forte
nos discursos, que deixa uma miragem de que estamos caminhando para a solução
dos problemas ambientais, da fome, da miséria, da ampla destruição da
biodiversidade. Na mesma medida, os gerenciadores do DS fogem de questões
básicas como, a distribuição da riqueza, da terra e a equidade de acesso aos
recursos dos territórios ou mesmo aos alimentos.
Talvez
esteja na hora de matar o desenvolvimento sustentável e, quem sabe, colocar
ênfase no ecodesenvolvimento de Maurice Strong e Ignacy Sachs. Pelo menos, nas
noções básicas de ecodesenvolvimento vamos encontrar algumas qualidades e
valores que começariam a mudar o quadro atual, como por exemplo: a) um claro
compromisso com as gerações futuras, estabelecendo-se uma solidariedade
diacrônica sem deixar de fortalecer laços de solidariedade entre as gerações
atuais; b) a necessidade de respeito às diferenças culturais, étnicas, sociais,
de gênero; c) a adequação da agricultura às condições dos ecossistemas ou
agroecossistemas; d) uma menor “adoração” pela tecnologia, sugerindo um pluralismo
metodológico e tecnológico, o que inclui o saber dos camponeses; e) dar
prioridade para a diversidade, ao contrario da “monocultura da mente” que
domina o modelo atual e que se reproduz no modelo convencional da revolução
verde; f) respeitar a especificidade de cada bioma; g) estimular o
desenvolvimento endógeno, com suas capacidades humanas e potenciais
ecossistêmicos; h) apostar nas atividades de pequeno porte, por serem mais
amigáveis com respeito ao meio ambiente; i) uma menor idolatria ao crescimento
infinito, etc.
Essas
proposições se aproximam muito das bases epistemológicas da Agroecologia e
contribuiriam bastante para reparar o curso alterado da coevolução homem-natureza,
como recomenda Eduardo Sevilla Guzmán.
Certamente
que apenas isso não basta. É preciso adotar outras medidas necessárias para a
construção de uma sociedade mais sustentável, entre as quais aquelas sugeridas
pelos “teóricos” do Decrescimento. Até lá, o que parece certo é que devemos
abandonar o conceito de desenvolvimento sustentável ecotecnocrático, pois ele
gera uma miragem que nos engana a todos.
Excelente texto.
ResponderExcluirSábias palavras.
ResponderExcluirParabéns! Admiro demais o seu trabalho!
ResponderExcluirA agroecologia e muitos lutadores dela estão muito tristes com sua partida. Ainda não conseguimos perceber o que está bpassando mas um sentimento de perda é grande. Vamos encontrar na fé da continuidade da luta e da vida, vamos encontrar na gratidão pelas suas contribuições e amizade, a força de superação dessa perda !
ResponderExcluirAbraço para toda a família ! Nossa solidariedade a esse momento de for!
Um brilhante lutador de todos os dias. Faz fazer muita falta.
ResponderExcluirMuito bom artigo, de fato acreditar em desenvolvimento sustentável é.acreditar em Tigre Vegetariano. Saudações ecossocialistas!!!
ResponderExcluirCaporal presente, agora e sempre!!!
ResponderExcluirExcelente e verdadeiro texto. Acabei de ler! ilucida bem o porque estamos sempre patinando na mesmice!
ResponderExcluirMinhas solidariedade aos familiares pela perda física desse grande Ser! Mas, que estará vivo na memória de cada um de nós!
Caporal, vivo em memória e afeto.
ResponderExcluirCaporal presente
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