Por:
Francisco Roberto Caporal
A mobilização dos
caminhoneiros e empresas de transporte de cargas nos deixa muitos ensinamentos,
entre os quais destacamos aqui a questão da produção e do abastecimento de
alimentos.
Faz muito tempo que nós do
campo da Agroecologia estamos insistindo sobre a importância dos Circuitos Curtos
de Comercialização (CCC) por serem uma estratégia mais adequada do ponto de
vista ambiental e, também, porque contribuem para assegurar melhores qualidades
nutricionais dos alimentos, entre outros aspectos positivos.
Como todos sabemos quanto
mais distância percorre um alimento, menos sustentável ele será, uma vez que o
transporte implica em elevado consumo de matéria e energia (diesel, caminhões,
etc). Há estudos mostrando que alimentos produzidos ecologicamente ou os chamados
produtos orgânicos, que são comercializados a longas distâncias, podem ser
menos sustentáveis do ponto de vista ambiental do que alimentos produzidos de
forma convencional e comercializados em distâncias curtas. Esses alimentos
orgânicos podem ser muito ecológicos dentro da porteira, dentro da unidade de
produção, mas são menos sustentáveis quando estudados a partir de uma análise
do metabolismo social do complexo agroalimentar do qual fazem parte.
Pode parecer paradoxal, mas
é verdade. Não basta produzir ecologicamente, é preciso que se estabeleçam
cadeias de comercialização que aproximem a produção do consumo, para que se
alcance maiores níveis de sustentabilidade socioambiental. Quanto mais próximos
estiverem os lugares de produção dos lugares de consumo mais sustentabilidade
alcançaremos.
Vejam que não estamos
discutindo as qualidades intrínsecas dos alimentos ecológicos. É óbvio que são
melhores para nossa saúde e é óbvio que sendo produzidos sem a utilização de
agrotóxicos, sem fertilizantes químicos e sem sementes transgênicas também
serão mais amigáveis em relação ao meio ambiente. Sobre isso, se pensamos de
forma egoísta, não importa de onde vêm os alimentos orgânicos que compramos,
importa que tenhamos acesso a eles. Não obstante, se pensamos como uma sociedade
que quer ser mais sustentável, então a questão da distância entre produção e
consumo assume uma destacada importância.
Pois aí vem uma lição que
pode ser retirada da mobilização dos caminhoneiros. Assistindo ou ouvindo os
noticiários nestes dias tumultuados da paralização dos transportes de cargas,
chamou atenção que muitas das reclamações sobre desabastecimento de alimentos
estavam relacionadas com as grandes distâncias. Em tempos de calmaria ninguém
se dá conta, mas quando temos um problema de transportes logo compreendemos,
por exemplo, que não é racional levar melões e mamão do nordeste para abastecer
as CEASAs de São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre.
Tampouco é racional que os sistemas de
produção animal e as enormes plantas dos frigoríficos estejam concentrados em
alguns poucos lugares do Brasil. Isso é racional apenas do ponto de vista do
lucro dos produtores e empresários que participam destas cadeias, mas não é
racional nem do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, nem do ponto de
vista da segurança alimentar e, muito menos, do ponto de vista da qualidade dos
alimentos.
Aliás, sobre isso, já em
1973, o economista britânico nascido na Alemanha E. F. Schumacher, em seu livro
“Small is beautiful” (traduzido e editado no Brasil com o título “O Negócio é
ser pequeno”), já alertava que os pequenos negócios, seja em qual for o setor
da economia, são socioambientalmente mais amigáveis do que as grandes
extensões, as grandes produções intensivas e os grandes conglomerados
industriais ou de prestação de serviços, etc.
Neste sentido, quando
escutamos os representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA)
alertando para o risco ambiental que poderia advir da mortalidade de milhões e
milhões de galinhas, isso não é mais que parte do risco assumido ao se
estabelecer modelos de produção intensivos, extremamente concentrados e que só
estão preocupados com o lucro, com a racionalidade econômica. Portanto, a morte
de milhões de galinhas em situações excepcionais é uma parte inerente ao modelo
intensivo de produção que não tem como resolver-se diante de imprevistos como a
atual paralização dos transportes. O normal para o modelo seria que os
produtores recebessem a ração diariamente ou semanalmente, mas se isso não
ocorre, é óbvio que o negócio está em risco. Mas ninguém fala desta parte do
problema. Nem os representantes do setor, nem qualquer dos meios de comunicação
tradicionais que cobriram a situação. E o pior é que o risco, neste caso, não é
só dos proprietários destes milhões de galinhas. Nestes momentos os riscos
passam a ser de todos nós, são riscos da sociedade, pois esta possível
mortalidade causará danos ao meio ambiente, contaminação de águas superficiais,
de lençóis freáticos, de solos e muito mais.
Portanto, a greve do setor
de transportes de cargas nos deixa algumas lições. Para o que interessa neste
espaço, destacamos:
1) Sistemas de produção intensivos, baseados
apenas na racionalidade econômica e no lucro, são de alto risco para a
sociedade.
2) Sistemas agroalimentares baseados em
circuitos longos de comercialização, além de serem insustentáveis do ponto de
vista ambiental, são mais arriscados do ponto de vista da segurança alimentar.
Sem aprofundar mais no
assunto, deixamos esta breve reflexão para que nossos leitores tirem suas
próprias conclusões. Lembramos, entretanto, que a alimentação é um ato político
e deve ser uma decisão nossa. Podemos optar por apoiar os modelos intensivos e
contaminadores de produção e os Circuitos Longos de Comercialização, deixando
tudo como está, ou optamos pelo consumo de proximidade, pelos Circuitos Curtos
de Comercialização.
Estimado Caporal, muy bueno su artículo. Estoy de acuerdo en todo lo que Ud dice. Sólo agregaría que los circuitos cortos dan trabajo a los pequeños campesinos de las propias ciudades. Así, no tienen que migrar de su ciudad, buscando trabajo en las grandes ciudades por salarios pequeños. Agradezco sus aportes. Alejandro, desde Santa Fe, Argentina.
ResponderExcluirAlejandro. Teneis razon.
ExcluirExcelente ..Bom artigo..Feiras, mercados locai....Comidas regionais .. É a ideia italiana no Slow Food
ResponderExcluirMinha avó contava que às vésperas da Revolução Constitucionalista de 1932 houve uma grande crise de abastecimento nas cidades por conta da crise de 1929, e o povo da roça que se alimentava do que produzia nas suas terras e das trocas com os vizinhos, nem sonharam com a tal da crise.
ResponderExcluirCircuitos curtos é segurança e soberania alimentar
ResponderExcluirCaraElaine. Nossos avós eram sábios.guardavam carne do porco dentro da lata de banha.tinham suas galinhas e hortas mesmo dentro das cidades. Transformavam frutas da época em doces e geléias que duravam meses.
ExcluirEtc...a "modernidade" destruiu tudo isso